A vinícola que resistiu à guerra: a história real da Artwinery, na Ucrânia

Em uma mina de gesso desativada, a 72 metros de profundidade na cidade de Bakhmut, no leste da Ucrânia, foi criada nos anos 1950 a vinícola Artwinery. A fundação da empresa ocorreu por ordem direta de Josef Stalin, que buscava expandir a produção soviética de espumantes. O local subterrâneo, com temperatura e umidade constantes, oferecia as condições ideais para o envelhecimento de vinhos segundo o método tradicional francês.

Com o fim da União Soviética em 1991, a Artwinery foi privatizada. Os novos proprietários investiram na modernização da vinícola com o apoio de especialistas franceses. Ao longo dos anos, a marca tornou-se uma das mais importantes produtoras de espumantes do Leste Europeu, com capacidade para engarrafar até 25 milhões de unidades por ano. Seus produtos chegaram a ser premiados em concursos internacionais e passaram a simbolizar a nova fase da Ucrânia independente.

No entanto, a estabilidade durou pouco. Em 2014, após a anexação da Crimeia pela Rússia, a vinícola perdeu acesso a uma de suas principais regiões fornecedoras de uvas. Cerca de 70% das uvas vinham da Crimeia. Ainda assim, a empresa conseguiu manter suas operações utilizando uvas provenientes de Odesa, Mykolayiv, Kherson e outras áreas do sul ucraniano.

A situação tornou-se dramática em 2022, com a intensificação da guerra e o avanço das tropas russas sobre o leste do país. Bakhmut, onde ficava a sede e as caves da Artwinery, tornou-se um dos epicentros do conflito. Diante do risco iminente de destruição, os donos e funcionários da vinícola, com apoio do Exército ucraniano, organizaram uma operação de evacuação de emergência. Cerca de 300 mil garrafas foram contrabandeadas para fora da cidade em caminhões, enquanto bombas caíam nas proximidades. Parte desse estoque foi enviada ao exterior; outra parte foi armazenada em regiões seguras dentro da Ucrânia.

Apesar dos esforços, a vinícola foi completamente destruída. Os equipamentos foram saqueados, a estrutura foi danificada pelos combates, e os proprietários, forçados a fugir, tornaram-se refugiados. Mesmo assim, continuam tentando manter a marca viva com os estoques remanescentes salvos da guerra.

Atualmente, a Artwinery está abandonada. Estima-se que mais de 6 milhões de garrafas ainda estejam nas cavernas subterrâneas da vinícola original, hoje inacessíveis sob controle das forças russas. As últimas garrafas que conseguiram sair de Bakhmut estão sendo comercializadas por distribuidores internacionais, e parte da receita obtida é destinada a ações humanitárias.

A história da Artwinery, que começou como um projeto estatal soviético, atravessou décadas de mudanças políticas e resistiu a guerras e invasões. Hoje, mesmo sem estrutura física, a marca sobrevive como símbolo da resistência cultural ucraniana. Seu vinho continua circulando pelo mundo, carregando consigo a memória de uma tradição que a guerra tentou apagar.

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Quem Sou

Sou jornalista especialista em vinhos e em comunicação digital. Sou sommelier Fisar e diretora da Associação Brasileira de Sommeliers do DF. Possuo qualificação Nível 3 (Wine Spirit Education Trust) e o Intermediário do ISG. Também tenho certificado em vinhos franceses (FWS) e vinhos californianos (CWAS).

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