
No norte do Chile, em meio a paisagens áridas e silenciosas, surge um dos projetos mais surpreendentes da viticultura mundial: vinhos produzidos no Deserto do Atacama, o lugar não-polar mais seco da Terra. Em algumas áreas, não chove há anos — e mesmo assim, uvas conseguem crescer, dando origem a rótulos raros, intensos e cheios de identidade.
O clima da região é extremo: temperaturas que vão de 0 °C à noite a mais de 40 °C durante o dia, somadas à alta radiação solar, favorecem a produção de vinhos com acidez viva, aromas concentrados e cores intensas. A altitude e a presença da Camanchaca — neblina costeira vinda do Pacífico — ajudam a manter a umidade mínima necessária para o cultivo das videiras.

Entre os projetos mais simbólicos está o Ayllu, em San Pedro de Atacama, onde comunidades indígenas Lickanantay produzem vinhos em pequenas parcelas a 2.400 metros de altitude. As uvas — Moscatel, País e Syrah — são cultivadas em vinhas de pé-franco, ou seja, sem enxerto, o que é raro no mundo moderno do vinho. A produção é limitada, artesanal e respeita saberes ancestrais.
A vinícola Ventisquero também apostou no desafio. Em 2007, começou a plantar vinhedos no deserto. Daí nasceu a linha Tara, com rótulos de Chardonnay, Pinot Noir e Syrah, todos feitos com leveduras nativas, pisa a pé e mínima intervenção. O Tara Chardonnay, por exemplo, já recebeu 95 pontos em avaliações internacionais.
Outras vinícolas vêm explorando o potencial do Atacama, como a Viña Tamaya, que testa variedades para vinhos mais frescos; a Santa Romina, focada em práticas orgânicas; e a Viña Alcohuaz, que trabalha na borda do deserto, em altitudes elevadas.

A viticultura ali exige técnicas especiais: irrigação gota a gota, muitas vezes com energia solar, e baixo uso de defensivos, já que a filoxera praticamente não existe na região. A produtividade é baixa, mas a qualidade é altíssima — o que torna esses vinhos disputados por colecionadores e enófilos exigentes.
Nos aromas e sabores, os vinhos do Atacama surpreendem: brancos com notas cítricas, florais e salinas; tintos vibrantes, com taninos finos e ótima acidez. São rótulos difíceis de encontrar, mas que revelam o potencial de um terroir extremo e fascinante.
O deserto, onde quase nada floresce, hoje nos entrega vinhos que encantam o mundo.
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