Quando se fala em vinhos de Colheita de Inverno, é quase inevitável pensar nos tintos intensos e estruturados, como os Syrahs produzidos com a técnica da Dupla Poda — sistema de manejo desenvolvido no Brasil pelo pesquisador Murillo de Albuquerque Regina. Entre os brancos, a Sauvignon Blanc ainda reina soberana, muitas vezes expressando perfis mais verdes e herbáceos.
Essa identidade tem marcado os vinhos de regiões como o Cerrado, que começa a se destacar no cenário nacional pela ousadia e qualidade de seus rótulos. E foi justamente essa ousadia que se fez notar no início de maio, durante a Wine South America, em Bento Gonçalves (RS). No estande da Vinícola Brasília, que reúne sete marcas da região — Horus, Alto Cerrado, Marchese, Miro, Oma Sena, Villa Triacca, Casa Vitor e Ercoara —, um lançamento em especial chamou atenção: a Marchese Vinhos e Vinhedos apresentou dois varietais inéditos na região, um rosé de Cabernet Franc e um tinto de Primitivo.
O espaço da vinícola exibia orgulhosamente o resultado de um trabalho que une tradição familiar, inovação e um olhar cuidadoso sobre o potencial do terroir do Planalto Central. Quem recebia os visitantes era Renata Sanches, uma das proprietárias da Marchese. Administradora de empresas com longa atuação no Senado Federal, Renata divide a paixão pelo vinho com o marido, Fabricio, produtor de grãos e herdeiro de uma história familiar ligada à vitivinicultura.
A trajetória da família no mundo do vinho remonta à década de 1950, quando Elias, pai de Fabricio, passou a acompanhar o próprio pai, Henrique, nos cuidados com as videiras — hábito herdado de Antonio Domenico Marchese, bisavô da atual geração. O vinho sempre esteve presente na vida da família, mas foi apenas recentemente que o sonho de ter uma vinícola própria se concretizou.
Hoje, a Marchese integra a estrutura da Vinícola Brasília, um projeto cooperativo inovador que une dez marcas do Cerrado em uma vinícola moderna e compartilhada, localizada no Distrito Federal. A proposta é simples e eficiente: todos os produtores dividem maquinário, espaço físico, enólogo e custos, mantendo ao mesmo tempo liberdade criativa para desenvolver seus próprios rótulos.
“Produzimos em conjunto, mas com identidade própria”, explica Renata. “Do total vinificado, 60% vai para os vinhos assinados pela Brasília, e os 40% restantes são utilizados por cada marca em seus projetos individuais.”
Foi justamente nesse espaço de liberdade que surgiram os dois rótulos inéditos da Marchese. O primeiro é um rosé de Cabernet Franc, considerado o primeiro elaborado com Dupla Poda no Brasil. Segundo Renata, a ideia nasceu de um pedido especial do sogro, Elias. “Ele queria um rosé delicado, fresco, diferente dos Syrahs mais maduros e estruturados que costumam dominar esse estilo. Algo mais leve, mais Provence.”
As uvas, cultivadas ao lado de fileiras de Chenin Blanc, foram colhidas ainda jovens, junto com as variedades brancas, resultando em um vinho com acidez marcante, elegância e vivacidade — características raras em rosés da região.
O segundo lançamento também impressiona: um varietal de Primitivo, a primeira videira dessa casta plantada no Cerrado. Adaptada com sucesso ao clima da região, a uva expressou um perfil distinto, ainda em fase de exploração, mas já promissor. “A Primitivo nos surpreendeu pela intensidade aromática e estrutura, mesmo com as particularidades do nosso terroir”, diz Renata.
Ambos os rótulos foram oficialmente lançados na Wine South America, reforçando a proposta da Marchese de inovar e explorar o potencial do Planalto Central para além das castas mais tradicionais.
A vinícola conta atualmente com uma área de cinco hectares no PADF (Programa de Assentamento Dirigido do Distrito Federal), onde estão plantadas variedades como Syrah e Sauvignon Blanc — predominantes entre os membros da Vinícola Brasília —, além da Cabernet Franc, Primitivo e Chenin Blanc. Esta última deve originar, em breve, o primeiro espumante 100% Chenin Blanc do Cerrado, outro marco na trajetória da marca.
Com raízes profundas e olhos voltados para o futuro, a Marchese se firma como uma das vinícolas mais inovadoras da nova geração de produtores do Cerrado. E confirma que o centro-oeste brasileiro tem cada vez mais espaço reservado no mapa do vinho nacional.
Fonte: Brasil de Vinhos
Fotos: Divulgação Marchese
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