O vinho natural tem conquistado espaço entre apreciadores e produtores, mas também provoca debates no universo da enologia. Afinal, o que exatamente define essa bebida que une tradição, filosofia e inovação?
Vinho natural é, em essência, um produto de mínima intervenção humana, tanto no vinhedo quanto na vinificação. As uvas utilizadas são cultivadas sem agrotóxicos ou fertilizantes sintéticos, e o processo de fermentação ocorre de forma espontânea, com leveduras naturais da própria uva, sem adição de leveduras comerciais. Além disso, não são utilizados aditivos químicos, como estabilizantes, corretores de acidez ou aromatizantes. A proposta é que o vinho expresse as características da região de origem de forma mais pura e autêntica.
Diferente do vinho convencional, que muitas vezes passa por ajustes para padronizar o sabor, o vinho natural é imprevisível. O processo convencional inclui o uso de leveduras selecionadas, correções de acidez e açúcar, e doses elevadas de sulfitos, substâncias usadas para estabilizar e conservar o vinho. Já os vinhos naturais utilizam apenas leveduras indígenas, evitam correções químicas e, quando utilizam sulfitos, é em quantidades muito reduzidas ou mesmo inexistentes.
Entre as peculiaridades dos vinhos naturais estão a turbidez, já que não passam por processos de filtragem ou clarificação, a rápida evolução após a abertura da garrafa e uma grande variedade de aromas e sabores considerados “fora da curva”. É comum encontrar notas terrosas, de fermento, frutas maceradas e até características mais rústicas ou selvagens. Para quem está habituado a vinhos industriais, o primeiro contato com um vinho natural pode causar estranhamento. Cada garrafa traz uma experiência única.
Apesar do interesse crescente, o vinho natural ainda não possui uma regulamentação internacional unificada. Em 2020, a França foi o primeiro país a criar um selo oficial, o “Vin Méthode Nature”, com critérios específicos. Na Itália e na Espanha, associações privadas desenvolveram selos e manifestos de boas práticas, mas ainda não há leis nacionais que regulem o uso da designação.
No Brasil, o cenário é semelhante. Não há legislação oficial, mas diversos produtores adotam práticas naturais com base em princípios éticos e sustentáveis. Feiras como a Naturebas, realizadas em São Paulo, e coletivos de pequenos produtores têm ajudado a divulgar e fortalecer o movimento no país. A autodeclaração é, por enquanto, o principal meio de identificar os produtores alinhados ao conceito natural.
Mais do que um estilo de vinho, o natural é considerado por muitos uma manifestação cultural, agrícola e artística. Está conectado a movimentos como o slow food, a agricultura regenerativa e a valorização do artesanal. Quem deseja se aventurar nesse universo deve estar disposto a experimentar com mente aberta e paladar curioso. Nem todos os vinhos naturais agradam de imediato, mas cada taça conta uma história.
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