Quem já exagerou na taça sabe: no dia seguinte, a festa cobra seu preço. Dor de cabeça latejante, estômago embrulhado, cansaço e, às vezes, uma ansiedade inexplicável. A ressaca é uma experiência universal — e, ainda assim, permanece um dos grandes mistérios da ciência.
Embora seja comum, a ressaca é surpreendentemente pouco estudada. Pesquisadores como Magdalena Sastre, professora de neurociência molecular no Imperial College London, vêm tentando entender melhor esse fenômeno. Em experiências com ratos, sua equipe identificou que o consumo de álcool gera inflamação cerebral, disfunção mitocondrial e alterações nos neurotransmissores. Esses efeitos não ocorrem apenas durante a bebedeira, mas, principalmente, se intensificam quando a intoxicação termina — ou seja, justamente quando começamos a sentir os efeitos da ressaca.
Hangxiety: quando a ressaca também é emocional
Recentemente, a ciência também passou a reconhecer a chamada hangxiety — uma ressaca emocional caracterizada por uma ansiedade pós-bebedeira. Esse mal-estar acontece porque o álcool desregula o equilíbrio entre dois neurotransmissores importantes: o GABA (que atua como calmante) e o glutamato (que é excitante).
Durante o consumo de álcool, o GABA predomina, trazendo aquela sensação de relaxamento. Quando o efeito passa, o glutamato sobe descontroladamente, causando nervosismo e angústia. Essa resposta química, combinada com a clássica “culpa pós-festa”, ajuda a explicar por que algumas ressacas não se limitam ao físico — atingem também nosso emocional.
Por que algumas pessoas não têm ressaca?
Um dado curioso vem de um estudo da Universidade de Boston: cerca de 23% dos participantes disseram nunca ter sofrido com ressacas, nem físicas nem emocionais. Esse fenômeno levou os cientistas a proporem a hipótese da “resistência à ressaca”, que poderia ter origem genética.
A explicação estaria em variações genéticas que afetam a ação de enzimas como a álcool desidrogenase (ADH) e a aldeído desidrogenase (ALDH), responsáveis pela metabolização do etanol no corpo. Algumas pessoas quebram e eliminam o álcool de forma mais eficiente, reduzindo o acúmulo de acetaldeído — um subproduto tóxico altamente associado aos sintomas da ressaca.
Outros fatores também podem influenciar, como a resposta imunológica individual ou uma menor sensibilidade a componentes específicos do álcool.
E a idade? As ressacas pioram com o tempo?
É comum ouvir que “quanto mais velho, pior a ressaca”. No entanto, estudos indicam que jovens tendem a apresentar sintomas de ressaca mais intensos do que adultos mais velhos — embora, curiosamente, reclamem menos. Uma possível explicação é que, com o tempo, desenvolvemos hábitos de consumo mais moderados e conhecemos melhor nossos limites.
Ainda há muito a ser descoberto
Apesar dos avanços, a ressaca segue sendo um tema pouco explorado pela ciência, em parte porque a pesquisa sobre os efeitos do álcool, fora o campo do alcoolismo, recebe pouca prioridade. Entender melhor esse fenômeno, no entanto, poderia abrir caminhos não só para aliviar seus sintomas, mas também para aprofundar nosso conhecimento sobre o funcionamento do cérebro, dos intestinos e do sistema imunológico.
Enquanto a ciência não desvenda todos os mistérios da ressaca, o melhor conselho permanece: desfrutar do vinho — especialmente um bom vinho tinto — sempre com moderação.
Fontes consultadas:
Marketeer (26 abril 2025)
El País
Animal Cognition (2025)
National Geographic
PubMed
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