Ovo de madeira na vinificação: tradição e inovação em um só recipiente

Na busca por novas formas de expressar a autenticidade e a identidade dos vinhos, produtores ao redor do mundo têm recorrido a uma técnica que une tradição e inovação: a vinificação em ovos de madeira. Esses recipientes, ainda relativamente raros no mercado, têm chamado a atenção de enólogos e consumidores por oferecerem características singulares ao processo de fermentação e amadurecimento do vinho.

O ovo de madeira é, como o nome indica, um recipiente com formato oval, geralmente feito de carvalho, utilizado em diferentes etapas da vinificação. Sua forma não é meramente estética. O desenho oval favorece um movimento contínuo do líquido durante a fermentação, criando uma espécie de circulação natural que mantém as borras, ou seja, as leveduras mortas, em constante suspensão. Esse fenômeno, sem necessidade de intervenção mecânica, contribui para o desenvolvimento de textura e complexidade no vinho de forma mais sutil e integrada.

Ao contrário das barricas tradicionais, que são menores, de madeira mais fina e comumente tostadas internamente, os ovos de madeira possuem paredes mais espessas e não passam por tosta. Isso resulta em uma interação diferente com o vinho. A madeira, nesse caso, não imprime aromas tão marcantes, como os de baunilha, coco ou especiarias, comuns em vinhos muito influenciados pelo carvalho. Em vez disso, permite uma expressão mais pura da fruta e do terroir, com uma contribuição discreta de oxigenação e textura.

Essa micro-oxigenação, proporcionada pela porosidade do carvalho, tem um papel importante na evolução do vinho dentro do recipiente. O contato com o oxigênio, quando bem controlado, ajuda a amaciar os taninos, estabilizar a cor e aumentar a longevidade do vinho sem comprometer sua frescura. O resultado são vinhos mais equilibrados, com estrutura cremosa e notas mais delicadas.

Os ovos de madeira vêm sendo particularmente valorizados na produção de vinhos brancos encorpados, vinhos laranja – elaborados a partir da maceração de uvas brancas com as cascas – e tintos mais leves ou elegantes. Nestes estilos, a técnica permite preservar a identidade da uva sem mascará-la com os sabores típicos da madeira tradicional.

Vinícolas renomadas em diferentes regiões já incorporaram esse tipo de recipiente em suas práticas. É o caso da francesa Chapoutier, referência no Rhône, da chilena Antiyal, que valoriza práticas sustentáveis e biodinâmicas, e do produtor grego Apostolos Thymiopoulos, que busca destacar o caráter dos vinhos feitos com a uva Xinomavro. Em todos esses casos, o uso do ovo de madeira faz parte de uma estratégia de vinificação voltada para a mínima intervenção e a máxima expressão do solo e da fruta.

Apesar dos benefícios, o uso de ovos de madeira ainda é restrito devido ao seu custo elevado. Fabricantes como a tonelaria francesa Taransaud produzem modelos como o Ovum, com capacidade de 20 hectolitros, cujo preço pode ultrapassar 40 mil euros. Trata-se, portanto, de um investimento significativo, mais comum entre vinícolas voltadas à produção de vinhos premium ou de edição limitada.

Ainda assim, a técnica tem ganhado adeptos, impulsionada pela busca por inovação na vinificação sem abrir mão dos princípios da tradição. Ao proporcionar um estilo de amadurecimento mais sutil, o ovo de madeira se torna uma ferramenta valiosa para enólogos que desejam explorar novas possibilidades sensoriais e entregar vinhos com identidade, equilíbrio e personalidade.

O crescimento do interesse por esse tipo de recipiente reflete uma tendência mais ampla no setor: o desejo de produzir vinhos que respeitem a matéria-prima, valorizem o terroir e ofereçam experiências autênticas ao consumidor. Se antes era visto como uma excentricidade, o ovo de madeira passa, aos poucos, a ser reconhecido como um símbolo do encontro entre técnica, sensibilidade e respeito à natureza do vinho.

Leia tambémFestival da Cachaça agita Brasília com cultura e sabores

Comentários
Facebook
Twitter
LinkedIn
Pinterest

Quem Sou

Sou jornalista especialista em vinhos e em comunicação digital. Sou sommelier Fisar e diretora da Associação Brasileira de Sommeliers do DF. Possuo qualificação Nível 3 (Wine Spirit Education Trust) e o Intermediário do ISG. Também tenho certificado em vinhos franceses (FWS) e vinhos californianos (CWAS).

Categorias

Veja Também

Cristofoli reinventa o enoturismo na Serra Gaúcha

No coração do distrito de Faria Lemos, em Bento Gonçalves (RS), a Cristofoli Vinhos de…

Embrapa leva inovação à Expovitis 2025 em Brasília

Evento reunirá mais de 110 vinícolas e apresentará o que há de mais atual na…

Mineralidade – Essa Polêmica e Controversa Questão

Há algum tempo, li um artigo bem interessante da sommelière Eliana Araújo, para a Revista…

Cria Chardonnay 2023 by Isabela Peregrino

Degustei o Cria Chardonnay 2023, assinado pela talentosa enóloga Isabela Peregrino, e posso dizer: é…