Muito se fala sobre sulfitos no mundo do vinho — ora como um mal necessário, ora como um vilão da saúde e do sabor. Mas o que de fato são esses compostos, por que estão presentes em praticamente todas as garrafas e até que ponto devemos nos preocupar?
Os sulfitos, ou dióxido de enxofre (SO₂), são compostos à base de enxofre usados há séculos na produção de vinhos. Sua principal função é conservar o produto, protegendo-o contra oxidação e microrganismos indesejados, como bactérias e leveduras selvagens. Com isso, garantem estabilidade, segurança microbiológica e maior longevidade ao vinho — três pontos fundamentais para que ele possa ser transportado, armazenado e consumido com qualidade.
Na prática, os sulfitos atuam como antioxidantes e antimicrobianos. Sem eles, muitos vinhos teriam vida útil extremamente curta ou seriam altamente instáveis. A oxidação, por exemplo, altera cor, sabor e aroma do vinho — um risco especialmente grande para vinhos brancos e rosés, mais sensíveis ao contato com o oxigênio. Já a contaminação por leveduras ou bactérias não desejadas pode comprometer seriamente o resultado final.
Mesmo assim, os sulfitos se tornaram alvo de críticas e desconfianças, especialmente por parte de consumidores que buscam produtos naturais ou com mínima intervenção. Há um mito recorrente de que os sulfitos são responsáveis por dores de cabeça causadas pelo vinho — mas essa relação é frágil. Estudos indicam que a maioria das pessoas não apresenta qualquer sensibilidade ao composto. Reações adversas são raras e ocorrem, em geral, apenas em indivíduos com asma severa ou com alergia específica já diagnosticada.
Além disso, é importante lembrar que sulfitos não são exclusividade dos vinhos. Eles estão presentes em muitos alimentos do dia a dia, como frutas secas, embutidos (bacon, presunto), batatas fritas, molhos prontos e até em alguns doces. Nesses casos, em concentrações muitas vezes superiores às encontradas em uma taça de vinho.
E quanto aos vinhos sem sulfitos? A resposta pode surpreender: todo vinho contém sulfitos, mesmo que em quantidades mínimas, como resultado natural do processo de fermentação. O que existe são vinhos sem adição de sulfitos, muitas vezes chamados de “naturais”. Esses produtos exigem extrema cautela na vinificação e condições específicas de armazenamento, pois são mais frágeis à ação do tempo e das variações ambientais.
A legislação brasileira permite até 300 mg/L de dióxido de enxofre nos vinhos. Na União Europeia, os limites costumam ser menores: 150 mg/L para vinhos tintos secos e 200 mg/L para vinhos brancos secos. Quando o teor é inferior a 10 mg/L, o vinho pode ser rotulado como “sem sulfitos adicionados”. A informação sobre a presença do composto é obrigatória no rótulo sempre que a concentração ultrapassa esse valor.
Em resumo, o sulfito está longe de ser um inimigo. Do ponto de vista técnico, ele é essencial para garantir que o vinho chegue ao consumidor da forma mais íntegra possível. No entanto, a preocupação com a transparência das vinícolas e com a quantidade utilizada é legítima. Bons produtores, especialmente os que atuam com responsabilidade ambiental e práticas sustentáveis, tendem a usar o mínimo necessário — buscando equilíbrio entre proteção e autenticidade.
Portanto, não há razão para temer os sulfitos, mas sim para compreender seu papel. Em um mercado cada vez mais consciente, o ideal é que o consumidor saiba ler os rótulos, entenda os limites permitidos e escolha produtos de produtores que prezam pela qualidade e honestidade.
No fim das contas, o sulfito é mais herói do que vilão. E o segredo está, como sempre, no equilíbrio.
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