Vinhos vulcânicos: quando o terroir de fogo molda o sabor da taça

No sopé de montanhas ainda ativas ou sobre cinzas de erupções milenares, cresce um tipo peculiar de vinho que vem despertando o interesse de sommeliers e consumidores ao redor do mundo: os vinhos vulcânicos. Produzidos a partir de uvas cultivadas em solos formados por atividades vulcânicas, esses rótulos apresentam características únicas tanto na composição quanto no perfil sensorial.

Vinhos vulcânicos são elaborados a partir de vinhedos situados sobre terrenos moldados por lava resfriada, cinzas e rochas ígneas. Esses solos, apesar de pobres em matéria orgânica, são extremamente ricos em minerais como ferro, magnésio e enxofre. Por serem muito bem drenados, obrigam as raízes das videiras a buscar profundidade em busca de água e nutrientes. O esforço da planta para sobreviver, em um ambiente de baixa fertilidade, resulta em uvas mais concentradas e complexas.

Embora o conceito de “vinho vulcânico” tenha ganhado maior visibilidade nos últimos anos, ele se refere a práticas tradicionais de cultivo em regiões específicas ao redor do globo. Entre as mais conhecidas estão o Monte Etna, na Sicília; a ilha de Santorini, na Grécia; e Lanzarote, nas Ilhas Canárias. Todas essas áreas compartilham o mesmo tipo de solo, mas apresentam diferentes interpretações do terroir.

No Etna, um dos vulcões mais ativos da Europa, os vinhedos chegam a altitudes superiores a mil metros, produzindo rótulos como o Etna Rosso, feito com a uva Nerello Mascalese. Em Santorini, o solo de cinzas milenares abriga o cultivo do Assyrtiko, um branco seco, de acidez elevada e notas salinas. Já em Lanzarote, as vinhas crescem em conchas escavadas nas cinzas, protegidas por muros de pedra — uma solução engenhosa para lidar com o clima árido e ventoso da região. Ali, a Malvasía Volcánica dá origem a vinhos com aromas cítricos e acentuada mineralidade.

Os vinhos vulcânicos costumam apresentar alta acidez, aromas terrosos, toques defumados e uma sensação que muitos descrevem como “pedra molhada” ou “salinidade”. Embora não haja comprovação científica direta entre os minerais do solo e esses sabores, a percepção sensorial é recorrente entre produtores e especialistas. Essa característica é chamada de “mineralidade” e segue sendo motivo de debate no meio enológico.

O cultivo em solos vulcânicos, no entanto, exige atenção redobrada dos viticultores. A baixa capacidade de retenção de água e a dificuldade de incorporar matéria orgânica tornam o manejo mais desafiador. Em regiões como o Etna, a constante atividade vulcânica adiciona camadas de solo a cada erupção — cerca de cinco a dez milímetros por ano — o que exige uma viticultura adaptativa. Cada nova safra, portanto, nasce de um ambiente ligeiramente diferente da anterior.

Antonio Rallo, coproprietário da vinícola siciliana Donnafugata, resume bem essa dinâmica: “Como os solos vulcânicos muitas vezes não retêm água com a mesma eficiência, as videiras precisam trabalhar mais e se adaptar. Esse estresse pode resultar em rendimentos menores, mas em uvas de melhor qualidade e sabores mais concentrados.”

Os vinhos vulcânicos são especialmente indicados para quem busca complexidade, acidez vibrante e uma expressão pura do terroir. São vinhos com personalidade marcante, muitas vezes desafiadores ao paladar, mas fascinantes em sua singularidade.

Para quem deseja se aventurar nesse universo, algumas sugestões de rótulos incluem Etna Rosso (Itália), Assyrtiko de Santorini (Grécia), Malvasía Volcánica de Lanzarote (Espanha) e os brancos das Ilhas do Pico, nos Açores, elaborados com Verdelho.

Explorar vinhos vulcânicos é mais do que descobrir sabores: é entrar em contato com a força geológica da Terra, engarrafada em forma líquida. Um brinde ao solo de fogo que dá origem a vinhos de pedra.

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Quem Sou

Sou jornalista especialista em vinhos e em comunicação digital. Sou sommelier Fisar e diretora da Associação Brasileira de Sommeliers do DF. Possuo qualificação Nível 3 (Wine Spirit Education Trust) e o Intermediário do ISG. Também tenho certificado em vinhos franceses (FWS) e vinhos californianos (CWAS).

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