
Com mais de 40 safras no currículo, o enólogo francês Pascal Marty é um dos nomes mais respeitados do mundo do vinho. Responsável por projetos emblemáticos em Bordeaux, Califórnia e Chile, foi um dos enólogos do icônico Almaviva, parceria entre a Concha y Toro e a família Rothschild e também do Opus One. Nesta entrevista, ele fala sobre terroir, variedades como Cabernet Sauvignon e Carménère, os impactos das mudanças climáticas e antecipa detalhes de seu novo projeto no Chile.
Etienne Carvalho: Você ficou a frende do projeto do vinho Almaviva, com chancela da Concha y Toro e dos Rothschild. Como foi o processo de unir duas culturas vitivinícolas tão diferentes em um só vinho?
Pascal Marty: Não foi difícil, porque falamos o mesmo idioma no final. Falamos vinho, falamos paixão, falamos gosto de produzir vinho de alta gama, de alta qualidade. Então não foi muito complicado. Eu conheci uma equipe de Concha y Toro, tanto na parte vinícola quanto na parte de enologia. E desde o primeiro dia tudo se encaixou muito facilmente.
Etienne Carvalho: Tendo trabalhado em vinhos ícones da França, da Califórnia e no Chile, o que você acredita que cada terroir te ensinou sobre o potencial da Cabernet Sauvignon?
Pascal Marty: A Cabernet precisa de um terroir bem particular. Precisa de condições bem particulares que se assimilem bem. Seja isso na França — em Bordeaux — como na Califórnia e no Chile. Como o terroir que tínhamos no Opus One ou o que tínhamos também na Almaviva . Solo pedregoso, ligeiro, profundo, que não recebe, que não retém muita água, que é o solo mais seco. É isso que gosta a Cabernet Sauvignon.
Agora bem, a segunda parte da sua pergunta é sobre o terroir. O terroir, o que é? É uma conformação de um solo, de um clima e da mão do homem. Mas ultimamente o câmbio climático mudou tudo. E mudou sobretudo o clima, que é a parte que todos pensavam que era a mesma por toda a eternidade. E não é assim. E se nota que hoje há uma mudança deste clima que modifica drasticamente a tipicidade e a assinatura que cada um dos vinhos tem.
Sobretudo em Bordeaux, que era o clima que tinha mais frio, entre aspas, um pouco mais de chuva. Impacta muito menos em Almaviva, ou seja, no Chile em geral, ou na Califórnia, porque já era um clima bastante quente, com escassa chuva. Mas em Bordeaux está mudando muito, muito, muito. Ou seja, o Bordeaux dos anos 80, tinha 12 graus. Com chaptalização de 2 graus. Ou seja, naturalmente tinha 10 graus o Cabernet Sauvignon. Hoje tem 14, 14,5. Por isso é totalmente diferente. O vinho mudou muito, muito.
Etienne Carvalho: Já que a gente falou da Cabernet Sauvignon, vamos falar um pouquinho da Carménère. Quem conhece a Carménère às vezes critica a pirazina. Você tem um trabalho no Chile com essa uva. Como é que você entende essa relação da pirazina com a Carménère para o consumidor final?

Pascal Marty: A pirazina é uma molécula que dá ao vinho um caráter como o pimentão verde, quando está realmente pouco maduro. Mas que também pode derivar com o pimentão mais vermelho. E isso é algo que está dentro dessa casta. Também está na Cabernet Sauvignon. O Cabernet Sauvignon também tem pirazina, bastante pirazina.
Mas é uma molécula que tem uma tendência a queimar-se, a desnaturalizar-se e a desaparecer quando a uva está bem madura. Portanto, tem que fazer um trabalho de viticultura — aí não estamos falando de enologia, estamos falando de viticultura — de um trabalho no vinhedo, para evitar que essa pirazina se acumule dentro do cacho da uva e esperar o suficiente para que desapareça com a ação do sol, dos raios ultravioleta, que destroem a pirazina na pele. E também evitar que antes disso se acumule na pele da uva. Mas é um trabalho de viticultura. Basicamente isso. E esperar o ponto exato para poder colher a variedade
Etienne Carvalho: Depois de décadas elaborando grandes vinhos, qual foi o momento mais marcante ou desafiador da sua carreira como enólogo?
Pascal Marty: O mais desafiante é sempre o mesmo: é a próxima colheita. Eu tenho agora, não sei quanto, 43, 44 colheitas produzidas. E obviamente que houve algumas mais complexas que outras. Sobretudo em Chateau Rothschild. Porque o clima nos anos 84, 91, 83…Todos esses foram momentos em que houve geada de primavera, falta de temperatura do sol, ou muita chuva durante a colheita. Isso faz com que seja tudo estressante. Bom, por isso que perdi meu cabelo também (rsrsrsrsrs).
Etienne Carvalho: E assim, para encerrar: você está sempre com novidades. Tem algum projeto ou lançamento que possa contar pra gente?
Pascal Marty: Tenho um projeto, tenho um novo vinho de muito alta gama, outro ícone. Desta vez não vai ser um blend, como é o caso do Clos de Fa — um blend de Cabernet Sauvignon, de Merlot e de Syrah. Agora temos um novo vinho que vai ser um vinho 100% Cabernet Sauvignon. Que está produzido em uma zona muito particular de Colchagua, perto de Santa Cruz. É um vinhedo muito antigo, que foi plantado em 1950, com alta densidade natural. E é um vinhedo que estamos trabalhando de forma muito natural. Somente estamos podando, e não há muito mais o que fazer neste vinhedo. Porque é um vinhedo tão velho, que tem tanta sabedoria, que sabe produzir exatamente o que tem que produzir.
E é um vinho que passa 24 meses em barricas francesas, em barricas novas. Já temos engarrafadas as safras de 2020, 2021, 2022. Só tenho que encontrar um nome e um rótulo. Que é a parte mais complicada da enologia.
Etienne Carvalho: E qual é a previsão de chegada ao mercado?
Pascal Marty: Não sei. Espero que seja este ano. Sim, espero. Mas é difícil. Tem que ter inspiração para ter uma história, uma etiqueta e um nome.
Etienne Carvalho: Então, vamos ficar torcendo para ele chegar logo.
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