Obter informações sobre vinhos tintos sem violar o lacre da garrafa e sem comprometer o conteúdo, de forma que a garrafa ainda possa ser vendida após a análise, foi o objetivo de pesquisa do Instituto de Química de São Carlos (IQSC) da USP. O trabalho da pesquisadora Esther Scherrer acompanhou a concentração de íons metálicos (como manganês, ferro e cobre) presentes no vinho e, com isso, inferiu se o local de produção é realmente aquele especificado no rótulo. Para fazer isso, utilizou-se um equipamento de ressonância magnética nuclear (RMN) semelhante àqueles usados em hospitais para exames clínicos. Terminada a medição, a garrafa de vinho continua exatamente como era antes.
O estudo analisou um total de 53 garrafas de vinho tinto, buscando a maior variedade possível entre países e tipos de uva, para observar qual dessas características surtia maior influência nos resultados. Íons metálicos estão naturalmente presentes em todas as bebidas que consumimos, sejam alcoólicas ou não, em concentrações variadas.
“O vinho não é uma bebida destilada, por isso a concentração de metais nele está diretamente ligada ao solo onde a uva foi plantada e também ao clima do local”, afirma Esther. “Diferentes locais de origem geram perfis diferentes de concentração de íons metálicos, sendo possível descobrir a origem do vinho olhando apenas para os íons metálicos.”
A pesquisa utilizou um equipamento de RMN muito semelhante aos utilizados em hospitais, só que menor. Enquanto o RMN para análises clínicas consegue analisar um ser humano inteiro deitado, este foi projetado para amostras com até 10 centímetros (cm) de largura. “O equipamento é basicamente um ímã gigante que observa como a amostra se comporta quando está dentro do seu campo magnético”, diz a pesquisadora. “Por isso, metais que interagem com ímãs – como o ferro e o manganês – podem ser observados nessas medidas.”
Medição
A garrafa é colocada inteira dentro dele e a medição dura em torno de dois minutos. O resultado é um gráfico que mostra o tempo de relaxação da amostra. Trata-se do tempo que a amostra demora para retornar à sua condição magnética inicial após ser irradiada com uma onda de rádio, nesse caso a onda foi de 9 Megahertz (MHz). “Quando esse gráfico é comparado a um banco de dados pré-existente, podemos saber a concentração aproximada de metais presentes na amostra”, ressalta Esther. “Realizou-se ainda as medidas invasivas do vinho, aquelas que precisam que a garrafa seja aberta. Os resultados obtidos em ambas as análises foram correlacionados para construir esse banco de dados que foi mencionado.”
A pesquisa comparou vinhos de diferentes países e observou que os gráficos de relaxação das amostras foram bastante parecidos entre vinhos do mesmo país, ou de localidade geográfica parecida. “Correlacionando esses gráficos com as medidas invasivas que fizemos, observamos que o íon metálico que mais influencia as medidas é o íon de manganês. Além de ter concentração mais expressiva que os demais íons ativos na RMN, sua interação com o campo magnético é bem maior que a dos outros íons em solução”, explica a pesquisadora. “Portanto, a classificação de vinhos tintos por país ou região de plantio é possível utilizando a Ressonância Magnética Nuclear, e acontece de acordo com a concentração de íons de manganês presentes na amostra.”
Segundo Esther, não existe muita aplicação industrial do método. “Antes do vinho ser engarrafado vale mais a pena realizar análises diretas de metais do que esperar o envase para depois realizar medidas de RMN”, observa. “O equipamento utilizado na pesquisa, em relação a aparelhagens similares para uso em embalagens fechadas, é mais comum, mais barato, mais fácil de ser operado e possui outras aplicações, como por exemplo a análise de frutas e sementes. Apesar disso, não é um equipamento que valha a pena ter em casa. Ele é bastante grande, cerca de 2 metros de comprimento, e ainda é caro para o consumidor comum.”
De acordo com a pesquisadora, num futuro próximo, o aparelho poderia ser usado em supermercados, onde o consumidor poderia analisar o produto desejado (seja vinho, azeite ou frutas frescas) antes de comprá-lo. “Havendo um banco de dados robusto e confiável, poderá ser desenvolvido um equipamento para que o consumidor analise a garrafa que tem interesse e descubra se ela realmente veio da origem que está no rótulo”, aponta. “O sistema é, portanto, poderá ser útil para combater falsificações antes que o consumidor pague pelo produto” A pesquisa é descrita em dissertação de mestrado Estudo não invasivo de vinhos tintos em garrafas lacradas através de RMN 1H no domínio do tempo e análise multivariada, orientada por Luiz Alberto Colnago, pesquisador da Embrapa Instrumentação e professor associado ao Programa de Pós Graduação do IQSC.
Fonte: Agência USP