É comum ouvirmos que os “Beaujolais” são vinhos leves, jovens, pouco tânicos, fáceis de beber e que lembram tutti-frutti e banana. Mas a verdade, não é bem essa.
Quando falamos, por exemplo, dos dez Crus de Beaujolais, a realidade é outra, ou, ao menos, deveria ser. Esses Crus estão todos localizados no norte da região e próximos à Borgonha. Um terroir diferenciado em que os solos são compostos de xisto, granito e areias grossas e onde a Gamay – a uva do Beaujolais Cru – é capaz de produzir vinhos mais complexos e estruturados. Além disso, os produtores desse local, normalmente, se utilizam da fermentação tradicional para produzir seus vinhos e dispensam assim a maceração semicarbônica dos Beaujolais tradicionais. Dessa forma, abrem mão do processo que faz o vinho se tornar mais frutado, leve e menos tânico e optam pelo mesmo processo de produção dos tintos da Borgonha, que privilegia o tanino, a cor e a capacidade de envelhecimento.
De Norte para o Sul, os dez Crus de Beaujolais são: Saint-Amour, Juliénas, Chénas, Moulin-à-Vent, Fleurie, Chiroubles, Morgon, Regnié, Côte de Brouilly e Brouilly.
Degustação dos Crus de Beaujolais
A degustação dos vinhos aconteceu em Brasília, no Le Jardin Bistrô (708 Sul), e foi acompanhada por pratos da culinária francesa elaborados pelo Chef Tiago Santos. Os participantes da degustação eram todos integrantes da Confraria Rollé, que reúne enófilos e estudiosos com as mais diversas certificações na área. Cinco dos Crus degustados foram adquiridos no exterior: Saint Amour, Chénas, Côte de Brouilly, Chiroubles e Regnié.
Para harmonizar com a entrada (salada com salmão), foram eleitos três vinhos que, teoricamente, deveriam ser os mais leves da degustação: “Fleurie” (Cuvée Marcel La Madone Fleurie 2016 – Depagneaux), “Chiroubles” (Chatenay 2015- Damien Coquelet) e “Juliénas” (Vieilles Vignes 2015 – Depagneaux). De modo geral, o Chiroubles foi o que mais impressionou pelo equilíbrio, persistência, corpo, estrutura e taninos, um verdadeiro Cru. Já o Fleurie mostrou-se como um Beaujolais simples, enquanto o Juliénas apresentou-se desequilibrado com álcool e acidez em excesso e foi considerado a maior decepção da noite.
Para escoltar o segundo prato (Coq au Vin e galette de batatas e cebola caramelizada) foram selecionados: o “Brouilly” (Louis Latour 2016), “Côte de Brouilly” (Chateau Thivan 2017 – Geoffray), o “Regnié” (G. Descombes 2017) e o “Saint Amour” (Domaine des Billards 2016). Em razão das características gerais de cada Cru, em tese, esses seriam os vinhos ideais para fazerem uma boa harmonização. Dentre todos, o Saint Amour foi o que mais agradou – estava bastante equilibrado, com acidez bem viva e com boa estrutura tânica. O Brouilly, no entanto, estava muito leve, sem muito corpo; o Côte de Brouilly mostrou-se melhor que o Brouilly, ainda assim sem muita estrutura; já o Regnié foi considerado um bom vinho apesar de não ter emocionado muito a maioria dos participantes.
Por último, para acompanhar o Magret de Carnat foram selecionados os três Crus de Beaujolais reconhecidos como aqueles com mais capacidade de envelhecimento: “Chénas” (Quartz 2014 – Piron Lameloise), “Morgon” (Domaine Mathieu e Camille Lapierre 2017) e “Moulin-à-Vent“. De forma quase unânime, o Moulin-à-Vent (Vieilles Vignes 2015 – Jacques Depagneux) foi o mais elogiado. Estava realmente excepcional. Encorpado, tânico e muito equilibrado: um verdadeiro “Rei dos Beaujolais”. O Chénas mostrou bastante característica de Pinot Noir envelhecido, como notas de sous-bois, e também estava muito bom, embora alguns o tenham considerado já no início da curva do declínio. O Morgon, por outro lado, por ter sido da safra 2017 estava muito jovem ainda e, talvez, por isso, não tenha apresentado todo seu potencial.
Detalhe interessante
Mais algo foi bem curioso nessa degustação. Elegemos o Julienás o pior vinho da noite e o Moulin-à-Vent, o melhor. Ambos vinhos foram elaborados em 2015 e feitos pelo mesmo produtor: Jacques Depagneux.
Características dos Crus
Se você quiser saber um pouco mais sobre cada um dos Crus de Beaujolais, abaixo vai uma rápida explicação. Espero que goste e que, assim como os membros da Rollé, você também tenha a oportunidade de degustar todos esses Crus, juntos ou em diferentes ocasiões. Sem dúvidas, será uma excelente experiência!
Saint Amour – Produz vinhos de maceração curta e longa. Os primeiros são leves, frutados e perfumados. Os de maceração longa são mais tânicos e estruturados, com notas de kirsch e bolo de especiarias. São ricos na boca e destinam-se a envelhecer pelo menos dois anos na garrafa. Com o tempo, ficam parecidos com Pinot Noir. Tem 12 Climats – Le Clos de Billards (o vinho que degustamos)é um deles.
Julienás – Os vinhos possuem aromas de frutas vermelhas, morango e mirtilo, com notas de violeta e canela. Em determinados anos, exibem aromas de cassis.
Chénas – É o menor dos crus. Seus vinhos são florais, com notas sutis de peônia e rosa. Os taninos criam uma sensação voluptuosa na boca e no final, toques de especiarias e madeira (mesmo se não houver passagem em barrica). Precisa de dois anos em garrafa para se expressar e dependendo da safra pode ficar de oito a 10 anos na adega.
Moulin-à-Vent – É considerado o “rei dos Beaujolais” porque produz o mais encorpado e tânico vinho dos crus. Quando jovens mostram ameixa e cereja e toques de violeta. Quando envelhecem adquirem nuances de frutas secas, trufas, bolos de especiarias e de rosa com nota de almíscar e de carne. Podem envelhecer 10 anos. Depois de um tempo, possuem tendência de se parecer com o Pinot Noir.
Fleurie – É considerado o mais feminino dos Crus. Seus vinhos são caracterizados por uma ampla gama de aromas frutados e florais, incluindo peônia, violeta, lírio, rosa, pequenas frutas vermelhas. Pode envelhecer e desenvolve elementos de especiarias doces.
Chiroubles – Possui a reputação de ser o mais Beaujolais de todos os Crus. Os vinhos são macios, leves, frutados e delicados, ou seja, referência como Beaujolais. Seus vinhedos estão localizados em encostas íngremes entre 246 e 444m de altitude e tem o clima mais frio dos Crus.
Morgon – Seus solos são compostos de rochas ricas em ferro e manganês. Seu vinho é nitidamente caracterizado pela fruta cereja madura; nos anos quentes se expressa como geleia de cereja ou kirsch. Possui também ameixas dentro de uma estrutura potente e rica com taninos sedosos. Com o tempo, adquirem notas de sous bois que lembram Pinot Noir – Os locais tem um verbo para isso: “morgonner”. O vinho “morgonne”.
Régnié – Este é o cru mais novo (30 anos). Os vinhos exibem aromas de cereja ácida, framboesa, groselha e cassis. Atinge seu ápice aromático após 3 a 5 anos de adega.
Cotês de Brouilly – Os vinhos têm gosto de uvas frescas e Cranberries, possuem taninos sedosos e uma acidez vibrante com um núcleo sólido de mineral. Levam alguns anos em garrafa para expressar seu verdadeiro potencial.
Brouilly – É o cru mais meridional.Os solos de Brouilly são compostos de diorito em decomposição – “Cones Vertes” ou “Chifres Verdes”.