Conhecido pelo efeito protetor para o coração, o resveratrol pode ser a base de uma nova terapia para a doença de Chagas crônica. Encontrada nas uvas – e, portanto, no suco dessas frutas e no vinho –, a molécula vem sendo estudada para diversas doenças que envolvem problemas cardíacos. As informações são de estudo realizado pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) e pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), publicado na revista científica PLoS Pathogens, no último dia 27 de outubro.
O trabalho, coordenado pela pesquisadora Claudia Neto Paiva, do Instituto de Microbiologia Paulo de Góes, da UFRJ, mostra que a substância foi capaz de recuperar funções cardíacas em camundongos afetados pela doença e reduzir a quantidade de parasitos Trypanosoma cruzi, causadores da enfermidade. O efeito benéfico foi observado mesmo com tratamento iniciado de forma tardia, quando os animais já apresentavam sinais clínicos.
Futuro próximo?
Considerando que o resveratrol é um suplemento alimentar, a expectativa é que a realização de ensaios clínicos para analisar o potencial do novo tratamento esteja próxima. “O resultado foi acima do esperado: as arritmias e a queda de capacidade de bombeamento do coração foram revertidas pelo tratamento”, afirma Claudia Paiva.
Mas, ainda segundo a coordenadora da pesquisa, serão necessários outros testes antes de avaliar a terapia em pacientes. Entretanto, o fato de o composto já ser considerado seguro é uma vantagem. “Atualmente, o tratamento da cardiopatia chagásica busca controlar os sintomas da doença, porém não consegue impedir sua progressão. No estudo, observamos que o resveratrol interrompeu o agravamento e, até mesmo, reverteu alterações graves”, comemora outra pesquisadora, Joseli Lannes-Vieira, chefe do Laboratório de Biologia das Interações do IOC e co-autora do estudo.
Outros pontos importantes
Entre os pontos importantes que ainda precisam ser avaliados antes da realização de testes com o resveratrol em pacientes está a definição de um esquema de administração oral eficaz e de associações com outras substâncias. “O uso de antioxidantes em terapias tem um histórico de dificuldades, possivelmente em função das moléculas escolhidas e da sua baixa vida média [tempo de permanência no organismo]”. Segundo a coordenadora, no estudo foram utilizadas utilizamos principalmente a administração intraperitoneal [por injeção], mas também foram obtidos bons resultados com o protocolo de administração oral, que pode ser melhorado. “Queremos testar o funcionamento do resveratrol oral associado com piperina, para aumento da vida média, como se faz em suplementos alimentares”, comenta Claudia.
De acordo com a coordenadora, diversos estudos apontam que consumir resveratrol através do suco de uva ou do vinho pode fazer bem ao coração de forma geral. “Porém, para garantir que a molécula tenha o efeito desejado no tratamento da cardiopatia chagásica precisamos determinar as doses adequadas”, reforça Joseli, acrescentando que devem ser avaliados também o impacto do tratamento em estágios mais avançados da doença e a evolução do quadro após a interrupção da terapia.
Ação contra ‘estresse oxidativo’
Os pesquisadores atribuem os benefícios cardíacos à propriedade antioxidante da molécula. As análises mostraram que o resveratrol reduziu a quantidade de moléculas chamadas de ‘espécies reativas de oxigênio’, que são produzidas pelas células cardíacas para combater o parasito. Quando esta produção atinge uma quantidade excessiva, ocorre um quadro conhecido como ‘estresse oxidativo’, em que as próprias estruturas celulares são danificadas, prejudicando a função cardíaca.
A importância de se combater o estresse oxidativo é evidenciada quando se comparam os tratamentos. No tratamento baseado na administração de benznidazol – medicamento que age contra o T. cruzi –, houve redução da quantidade de parasitos, porém sem reversão dos danos cardíacos. Já na comparação com duas terapias diferentes baseadas em moléculas de ação antioxidante – o fármaco metformina, usado no tratamento da diabetes, e o composto tempol, investigado em diversas pesquisas –, os efeitos cardioprotetores foram semelhantes aos do resveratrol. A metformina e o tempol, no entanto, não atuam na eliminação dos parasitos, enquanto o resveratrol combina a ação benéfica sobre o coração, por suas propriedades antioxidantes, com a redução da presença do parasito.
A Doença de Chagas
Segundo informações retiradas do site do Ministério da Saúde, a Doença de Chagas (DC) é uma antropozoonose causada pelo protozoário flagelado Trypanosoma cruzi. Na ocorrência da doença, observam-se duas fases clínicas: uma aguda, que pode ou não ser identificada, podendo evoluir para uma fase crônica caso não seja tratada com medicação específica. No Brasil predominam os casos crônicos: estima-se que existam entre dois e três milhões de indivíduos infectados. A ocorrência de Doença de Chagas aguda tem sido observada em diferentes estados, em especial na região da Amazônia Legal, principalmente, em decorrência da transmissão oral.
A doença de Chagas afeta entre seis e sete milhões de pessoas no mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Muitos casos são descobertos apenas após anos de infecção, quando cerca de 30% dos pacientes já apresentam problemas cardíacos. Na fase crônica, pesquisas apontam que combater os parasitos não é suficiente para reverter as lesões no coração.
PLoS Pathogens
A PLoS Pathogens, segundo informações do próprio portal, se dedica a publicação de artigos originais que demonstram claramente novidade, relevância, significado biológico e conclusões justificadas.
A Resveratrol Reverses Functional Chagas Heart Disease in Mice, nome da pesquisa original publicada em inglês na PLoS Pathogens, pode ser acessada na íntegra aqui.
Fonte: Portal FioCruz.