Vou aproveitar que acabei de fazer o curso French Wine Scholar/Enocultura (qualificação avançada em vinhos da França) e vou dividir com vocês um pouco das informações que aprendi sobre os vinhos doces franceses. Algo que amei conhecer a fundo! Pena que aqui no Brasil esses vinhos não são muito baratos. De toda a forma, vale à pena o investimento porque são maravilhosos e, por serem docinhos, devem ser apreciados com parcimônia!
Por exemplo, você sabia que a região do Roussillon, no Sul da França, é a responsável por produzir 80% de todos os “Vin Doux Naturels” (vinhos doces naturais) – franceses? E aqui vai uma explicação bem bacana: – “Vin Doux Naturels”, também conhecidos por VDNs, são na verdade resultado de um processo chamado mutage – que consiste na adição de água ardente vínica neutra ao mosto para interromper a fermentação, fazendo com que o vinho fique, normalmente, mais doce por conta da morte das leveduras e mais alcoólico por conta da adição da aguardente. Geralmente, os VDNs possuem cerca de 15% de álcool e de 5 a 10% de açúcar residual (açúcar não fermentado). Outro detalhe importante: é o mesmo método de elaboração do famoso Vinho do Porto. A diferença é que surgiu 400 anos antes dele e foi inventado em 1285 por um sujeito muito estudioso chamado Arnaud de Villeneuve, que era uma espécie de médico/alquimista. Alguns dizem que ele era espanhol e outros juram que se tratava de um legítimo francês.
Então, voltando à região de Roussillon, ela conta com cinco denominações para os VDNs: Banyuls (tinto, rosé e branco), Banyuls Grand Cru (tinto), Maury (tinto e branco), Rivesaltes (tinto e branco) e Muscat de Rivesaltes (branco). O vinho leva o mesmo nome da respectiva origem. Ao norte de Roussilon, encontra-se o Languedoc, que também produz VDNs altamente reverenciados na França. São eles: Muscat de Frontignan, Muscat de Lunel, Muscat de Mireval e Muscat de Saint-Jean de Minervois. Todos esses vinhos do Roussilon são elaborados a partir da mesma variedade, a Muscat à Petit Grains Blanc, e todos são brancos. Vale ressaltar que esses VDNs produzidos com Muscat devem ser consumidos jovens para mostrarem toda sua fruta e aroma.
Há também em território francês dois VDNs muito interessantes produzidos no Sul do Rhône: o Muscat de Beaumes de Venise (branco) e o Rasteau, esse último é produzido com Grenache, pode ser tinto, branco ou rosé, e deve ser consumido em até oito anos após seu lançamento no mercado.
Na região do Jura, entre a Borgonha e a Suíça, há um VDN conhecido como MacVin – o Marc, a aguardente utilizada em sua produção, é obtida por destilação dos bagaços do vinho do Jura, inclusive dos Vin Jaune ou Vinho Amarelo (relembre aqui). Ele pode ser feito com as seguintes uvas: Chardonnay, Savagnin, Poulsard, Pinot Noir e Trousseau. É engarrafado com alcóol final de 16% a 20% e pode ser tinto ou branco.
Outro vinho doce bem interessante também é o “Vin de Paille” – Suas uvas após serem colhidas são colocadas para desidratarem em caixas de plástico ou madeira por cerca de seis semanas. O objetivo é concentrar açúcares e componentes aromáticos. A palavra “paille”significa palha, e alguns produtores ainda secam os cachos de uva em um leito de palha como antigamente, algo que pode explicar a origem do nome.
Detalhe que a fermentação desse vinho é lenta e o mosto acaba não fermentando por completo. O “Vin de Paille”fica com cerca de 15% de álcool e é sempre vendido em garrafas de 375ml. No Jura, as uvas utilizadas para a produção desses vinhos são a Chardonnay, a Poulsard e/ou a Savagnin. O Rhône Norte, especificamente Hermitage, também produz Vin de Paille, só que à base das uvas brancas permitidas na região que, no caso, são a Marsanne e a Roussane. Os Vin de Paille costumam durar uma década mais ou menos.
Já na Alsácia, ali bem pertinho da Alemanha, é comum encontrar vinhos doces feitos à base de Riesling, Gewurztraminer, Pinot Gris e/ou Muscat Blanc à Petit Grains. Esses vinhos são conhecidos como “Vendage Tardive”, que significa Colheita Tardia, ou “Selectión Grain Nobles” – que é literalmente Seleção de Grãos Nobres. A fermentação desses vinhos à base de uvas colhidas tardiamente termina naturalmente quando as leveduras morrem deixando no vinho o açúcar não fermentado. No caso, o “Selectión de Grain Nobles”, obrigatoriamente tem seus cachos colhidos à mão, baga por baga, através de múltiplas passagens pelo vinhedo. Além disso, é necessário que suas uvas sejam afetadas pela “podridão nobre”, ou seja, devem ter sido atacadas pelo fungo botrytis cinerea para consequentemente obterem características especiais de doçura e sabor, em especial de mel. Já os “Vendage Tardive” são feitos de uvas de colheita tardia que podem ou não ter sido atacadas pela Botrytis.
Ah! E já que falei dos “vinhos brotritizados” vou comentar sobre os deliciosos vinhos doces de Bordeaux feitos com Semillón, Sauvignon Blanc e/ou Muscadelle. Com a ajudinha dos rios Garonne e Ciron, é possível aparecer uma neblina matinal na região que produz os vinhos doces, algo perfeito para o desenvolvimento da Botrytis Cinerea. É de lá que vem os famosos e deliciosos Sauternes, e também os não muito famosos, porém saborosíssimos, Barsac e Céron. Todos esses vinhos são bastante longevos. Em safras excepcionais podem chegar até cem anos. Ainda em Bordeaux, podemos encontrar também outros grandes vinhos doces: Loupiac, Cadillac e Sainte-Croix-du-Mont, além dos Côtes de Bordeaux Saint-Macaire e Franc-Cotês de Bordeaux.
O Loire também contribui com excelentes vinhos doces à base de botrytis. Todos feitos com a uva Chenin Blanc. São eles: Coteaux du Layon, Chaume 1er Cru, Coteaux de l’Aubance, Quart de Chaume Grand Cru, Anjou Coteaux de La Loire, Bonnezeaux e Savanières, Mont-Louis-Sur-Loire, Vouvray e Coteaux de Saumur.
Embora raro, no Rhône, também é possível encontrar um “vinho botritizado” feito exclusivamente a partir da Viognier. Ele é produzido em Condrieu, no Norte da Região. É conhecido como Condrieu doce.
Por último vou falar sobre os principais vinhos doces do Sudoeste da França, pouco conhecidos aqui no Brasil e que concorrem muito bem com os doces de Bordeaux. São eles: Saussignac, Rossete, Monbazillac, Cotês de Montravel e Haut-Montravel. Todos elaborados com as mesmas uvas dos famosos Bordeaux doce, ou seja, Sauvignon, Sémillon e Muscadelle. Além desses, ainda existem dois outros vinhos brancos doces de colheita tardia muito especiais no Sudoeste da França: o Juraçon, com as uvas Gros Manseng e Petit Manseng e o Pacherenc-du-Vic-Bilh – elaborado também com Gros Manseng e Petit Manseng e com as pouco conhecidas Ruffiac e Petit Courbu – todas brancas.