Em fevereiro deste ano, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) publicou a Instrução Normativa n.14, de 8 de fevereiro de 2018 com a desculpa de “Estabelecer a Complementação dos Padrões de Identidade e Qualidade do Vinho e Derivados da Uva e do Vinho”. Tal normatização tem sido muito criticada por especialistas da área do vinho, pois, entre outras mudanças sem muito sentido, regulamenta o uso da palavra “Reservado” no Brasil, bem como cria o tal do “Vinho Nobre”.
Recentemente o blogueiro Didu Russo colocou a questão em debate num artigo chamado “As Pataquadas do MAPA“. O Blog Vinho Tinto ao ter acesso a um textosobre o assunto elaborado pelo respeitado enólogo e vitivinicultor Adolfo Lona, em março de 2018, e publicado no Blog Vinho Sem Frescura na mesma data, solicitou a republicação do texto, tendo em vista as ideias do ilustre enólogo irem ao encontro dos pensamentos da editora do Blog Vinho Tinto. Muito solícito, Adolfo Lona autorizou a republicação do texto que você pode conferir abaixo:
“Todas as legislações vitivinícolas do mundo procuram, nos capítulos relacionados a classificação dos vinhos, definir estes em função de diferentes parâmetros, sempre procurando estimular a qualidade e a superação de desafios, mas principalmente proteger o consumidor com regras claras e possíveis de serem cumpridas. Para algumas como por exemplo os prazos mínimos de maturação ou envelhecimento, a legislação deve estabelecer as ferramentas de controle e/ou certificação necessárias.
A legislação brasileira sempre foi omissa, a tal ponto, que define os vinhos em somente duas categorias relacionadas ao tipo de uva:
Mesa: elaborados com qualquer tipo de uvas, das espécies labrusca (uvas americanas) ou vinífera (uvas europeias).
Fino: elaborados exclusivamente com uvas da espécie Vitis vinífera e com graduação alcoólica de 10% a 14%.
Apesar disto, e sem nenhum tipo de impedimento, algumas cantinas já utilizavam os termos Seleção, Reserva, Gran Reserva, Ícone, Premium, Super Premium deixando por conta do consumidor a definição dos mesmos.
Claro que este consumidor imagina que todas estas palavras constantes nos rótulos indicam algum tipo de qualidade especial. Ledo engano, nenhuma regra existia na legislação. E digo não existia, porque agora, através da Instrução Normativa Nro. 14 de 8 de fevereiro de 2018, o Ministério acaba de definir algumas categorias num verdadeiro esforço de imaginação. Para mim, o que era omisso, agora ficou confuso.
Vamos ao que é mais importante nesta Instrução.
Artigo 30: Em função de características adicionais de qualidade, o vinho fino e o vinho nobre (logo falaremos dele já que é um novo tipo), produzidos em território nacional, podem ser classificados como:
Inciso 1º: Reservado: vinho jovem pronto para consumo, com graduação alcoólica mínima de 10% vol.
Inciso 2º: Reserva: quando o vinho com graduação alcoólica de 11% vol. passar por um período mínimo de envelhecimento de 12 meses (tintos) ou 6 meses (brancos) sendo facultada a utilização de recipientes de madeira apropriadas.
Inciso 3º: Gran Reserva: quando o vinho com graduação mínima de 11% vol. passar por um período mínimo de envelhecimento de 18 meses (tintos) ou 12 meses (brancos) sendo obrigatória a utilização de recipientes de madeira apropriada de no máximo seiscentos litros de capacidade por no mínimo 6 meses (tintos) ou 3 meses (brancos).
Em relação à chaptalização é permitida em até 2% nos Reservados, 1% no Reserva e vedada para Gran Reserva.
Artigo 34: São classificados e denominados Vinhos Nobres, aqueles elaborados no território nacional exclusivamente a partir de uvas da espécie Vitis vinífera que apresentarem teor alcoólico de 14,1% vol. a 16% vol. Neste vinho é vedada a chaptalização e pode ser seco, meio doce e suave ou doce.
Acredito que esta categoria, válida, deveria ter como primeira limitação as variedades de uva permitidas. Não todas as Vitis Viníferas, somente aquelas com potencial para vinhos com essa denominação. Quais? A serem discutidas. Sobre a graduação alcoólica me parece fora de proposito estabelecer um máximo de 16% vol. graduação mais apropriada para vinhos licorosos. O correto teria sido aumentar a graduação dos vinhos Finos em geral para 15% vol e estava resolvida a questão. Sobre os teores de açúcares deveria ser somente seco.
A própria Instrução parece admiti-lo ao estabelecer em seu artigo 108 que “as bebidas alcoólicas, exceto as fermentadas, com graduação alcoólica superior a 15% vol. poderão conter em sua rotulagem a expressão bebida alcoólica espirituosa”.
Na minha opinião, com esta Instrução Normativa foi perdida uma grande oportunidade para estabelecer regras de “superação”. A opção foi legalizar o comodismo e manter a oferta de vinhos nacionais mais confusa o que a meu ver é um tiro no pé.
Também se perdeu a oportunidade de classificar os vinhos das novas tendências conhecidos como Orgânicos, Naturais, Biodinâmicos, etc.
Estabelecer regras, padrões em especial em relação ao uso de SO2, etc. Hoje a liberdade é total e não há parâmetros igualando bons produtores dos aproveitadores.
Analisemos todas as novas categorias:
Reservado: categoria absolutamente dispensável porque só cria confusão, nada agrega e parece ter sido feita para dar cobertura à montanha de vinhos chilenos que chegam com essa categoria proibida em quase todos os países do mundo. Mostra que os critérios não foram nada técnicos.
Reserva: Começa errada ao estabelecer somente 11% vol. como graduação alcoólica. Se nela é permitida a chaptalização de 1% vol. é porque estão admitindo fazer este tipo de vinho com uvas com açúcar potencial de 10%, verdes, inadequadas para a qualidade que se espera de um vinho Reserva. A graduação mínima exigida deveria ser entre 12,5 e 13% vol. e proibida a chaptalização (verdadeiro freio da qualidade superior).
Continua errada ao exigir somente um “envelhecimento” de 12 meses para os tintos e 6 para os brancos. Significa dizer que todo vinho poderá ser considerado nesta categoria após um ano de elaborado. Ridículo, TODOS OS VINHOS PASSARÃO A SER RESERVAS e a categoria perderá todo e qualquer valor.
Vejamos como a Espanha, país no qual esta classificação é mais clara, os define:
Reserva: vinhos envelhecidos por pelo menos 36 meses sendo no mínimo 12 meses em barricas de carvalho.
Ou seja, os vinhos Reserva tem de ser mais maturados e envelhecidos o que os leva a ser mais encorpados, robustos, alcoólicos.
GRAN RESERVA (nova legislação): acompanha o equívoco começado no RESERVA.
Na Espanha, são 60 meses sendo que 18 nas barricas. No Brasil, 18 meses total, sendo 6 em barricas. Ridículo, continuaremos tendo uma legislação permissiva e fraca, infelizmente.
Não achei, e se alguém sabe agradecerei me informe, como serão controlados os prazos estabelecidos de maturação e envelhecimento. Seria muito bom se o Ministério credenciasse uma ou mais empresas certificadoras para que fossem as responsáveis de controlar estes prazos. Se não o consumidor continuará sendo vítima dos aproveitadores.
Se a classificação dos vinhos não é estímulo à superação de viticultores e vinicultores, procurando menor produtividade, uvas mais sadias e maduras e métodos de elaboração com ciclos mais longos onde sabidamente o vinho ganha complexidade, amabilidade e firmeza, o resultado continuará sendo mediano, haverá avanços qualitativos somente nos vinhos produzidos por vinícolas sérias, que procuram incessantemente a qualidade superior.
Mas infelizmente, devido a legislação fraca, seus produtos serão “igualados” aos de produtores inescrupulosos que utilizam todo e qualquer mecanismo para oferecer vinhos baratos, gostosinhos, com sabores e aromas de chocolate, melosos, biônicos.
Estes continuarão usando os habituais chips que se transformam em românticas barricas em seus charmosos rótulos.
Acorda vitivinicultura do Brasil!!! “
*Texto do enólogo e vitivinicultor Adolfo Lona, do Blog Vinho sem Frescuras