Conheça os encantos dos vinhos brancos do Norte da Itália

No Norte da Itália podem ser encontrados uma infinidade de brancos singulares.

Um Soave refrescante e delicado do Vêneto ou um Timorasso complexo e cremoso do Piemonte? O Norte da Itália tem uma infinidade de brancos singulares para agradar qualquer paladar.

Para entender a enorme diversidade de vinhos da Itália, precisamos fazer uma viagem ao passado e entender a formação política do Estado Italiano, bem como sua enorme propensão à vitivinicultura, seja pela quantidade incomparável de uvas nativas, pelos inúmeros mesoclimas e terroirs e pela privilegiada formação geológica dominada por morros.

Um pouco de História

A Itália, diferentemente de outros países europeus, tais como França, Inglaterra e Espanha, que a partir do século 11 tornaram-se monarquias, ficou fundamentalmente dividida entre diversos ducados. Somente em 1861, foi unificada sob o Reino da Itália. Não obstante, sua formação atual só se concluíria no final da Primeira Guerra Mundial, em 1919, quando as regiões de Trentino-Alto Adige e Venezia Giulia foram cedidas por meio do Tratado de Saint-Germain-en-Laye.

Por conta da peculiar trajetória, a tradição, costumes, gastronomia e, também, a vitivinicultura, são bem distintos; é como se estivéssemos em vários países dentro de um só.

A Itália possui de 350 a 600 tipos de uvas autóctones comercializáveis

Uma curiosidade para refletirmos sobre a diversidade de uvas nativas: a Itália tem entre 350 a 600 uvas comercializáveis (alguns dizem que são mais!!!!). Espanha e França, que, junto com a Itália, são os três maiores produtores mundiais de vinho, SOMADOS não possuem 350 uvas autóctones!

A Itália, como ocorreu por toda a Europa e regiões vitivinícolas tradicionais, produzia um estilo de vinho branco pesado, oxidado, envelhecido. Sob a liderança da região de Friuli Venezia Giulia, representada pelo ilustre produtor italiano Mario Schiopetto, houve na década de 1970 uma verdadeira revolução em relação à produção de vinhos brancos.

Schiopetto passou um tempo na Alemanha e voltou para sua terra natal convencido em implantar as técnicas que lá observou, que reduziam a quase zero o contato do oxigênio na vinificação; as adegas mudaram completamente, enólogos começaram a produzir os vinhos sem contato do mosto com as cascas, impediam a malolática, a fermentação passou a ser controlada por temperatura, amplo uso de tanques de inox e esterelização das garrafas. A partir daí, vinhos frescos, vibrantes e frutados começaram a aparecer por todo o país. Atualmente, no entanto, vários produtores de alta qualidade usam a maceração a frio, contato com borras e uso de barril para dar maior estrutura e complexidade aos seus vinhos; contudo, valorizando o caráter varietal e criando vinhos de alta gama.

Vinhos Brancos Italianos e suas Regiões

Valle d’Aosta

Existem joias que são produzidas e mal saem de sua região; são devoradas pelos locais e por turistas ávidos pela qualidade encontrada em tais vinhos.

Excelentes vinhos brancos são produzidos no exuberante Vale d'Aosta, mas mal saem da região.
Excelentes vinhos brancos são produzidos no exuberante Valle d’Aosta.

O Valle d’Aosta é um desses locais: região bilíngue, autônoma, com forte influência francesa na sua cultura, produz um vinho da nativa Prié Blanc, em videiras não afetadas pela filoxera, plantadas a até 1200m, entre as cidades de Morgex e La Salle (Valle d’Aosta DOC, subzona Blanc de Morgex et La Salle), em condições frias, só sobrevivendo por estar adaptada a séculos ao seu terroir, com sua casca grossa. Alta acidez, forte mineralidade e uma cor bem pálida são algumas das características desse néctar.

Piemonte

Além dos renomados tintos Barolos e Barbarescos, o Piemonte também produz vinhos brancos de alta qualidade

O Piemonte, mundialmente conhecido por seus vinhos tintos, como os lendários e longevos Barolos e Barbarescos, tem muito mais a oferecer com suas uvas brancas nativas, além do renomado Cortese di Gavi DOCG, com suas características notas frescas cítricas e de amêndoas e altíssima acidez e mineralidade. Tais variedades beiraram à extinção; foram salvas por alguns renomados produtores. A Arneis (que em dialeto local se refere a uma difícil personalidade), plantada desde o século 15 nos morros de Roero (Roero Arneis DOCG), produz singulares vinhos de corpo cheio, perfumados, complexos, com aromas florais e de frutas brancas maduras. A uva Erbaluce, encontrada no norte do Piemonte, nos arredores da cidade de Caluso (Erbaluce di Caluso DOCG), possui casca fina e alta acidez, muito usada para produzir distintos passitos e vinhos secos com acidez e refrescâncias vibrantes, misturadas com aromas e sabores cítricos e de maçã. E, finalmente, uma uva de altíssima qualidade plantada nas colinas de Tortona, no sudoeste da região: a Timorasso (Colli Tortonesi Terre di Libarna DOC), que produz vinhos complexos, cremosos, com alta mineralidade e acidez, carregando um floral maravilhoso e toques de mel e citricidade, que evoluem com tempo em garrafa.

Ligúria

Apaixonados pelos pelos cenários de Cinque Terre podem desfrutar de vinhos brancos refrescantes e vibrantes da Região

Aqueles apaixonados pelos cenários pitorescos da Costa Italiana em Portofino e Cinque Terre, e por sua gastronomia rica em frutos do mar, poderão desfrutar de vinhos brancos refrescantes e vibrantes, com salinidade própria da região, de uvas que se adaptaram ao seu terroir por séculos. Mesmo uvas geneticamente idênticas, como a Vermentino e a Pigato, produzem vinhos distintos e são chamadas por nomes diferentes dentro da própria Ligúria. Além dessas duas variedades, que produzem vinhos varietais na Riviera di Ponente (oeste da região, Riviera Ligure di Ponente DOC), encontramos blends de Vermentino, Bosco e Albarola (Cinque Terre DOC), nativas da Ligúria, na Riviera di Levante (leste de Gênova), que são leves, refrescantes, com toques cítricos e herbáceos.

Lombardia

Amantes da cosmopolita Milão não só têm espumantes de espetacular qualidade provenientes da região de Franciacorta, ao sul do Lago Iseo. Dentro dos mesmos limites geográficos, existe uma apelação para vinhos tranquilos, Curtefranca DOC, com a uva Chardonnay gerando espetaculares vinhos: estruturados, complexos e persistentes.

Emilia-Romagna

Vinhos brancos da aromática Malvasia di Candia Aromática podem ser encontrados com facilidade nos arredores da cidade de Piacenza.

Dentre as regiões mais ricas da Itália, a Emilia-Romagna é visitada anualmente pelos fervorosos aficcionados por grifes automotivas, por ser lar da Ferrari, Lamborghini, Ducati e Maserati. Dona de uma gastronomia recheada de iguarias como o Prosciutto di Parma, Parmigiano Reggiano, Aceto Balsamico di Modena, ela produz um vinho muito consumido e criticado por todos os cantos do globo: o infame Lambrusco. Porém, encontramos vinhos brancos que só são produzidos aqui, como os advindos da aromática Malvasia di Candia Aromatica, encontrada nos arredores da cidade de Piacenza (Colli Piacentini DOC), ou aqueles na principal cidade, Bologna, casa da muito antiga Grechetto Gentile, antiga Pignoletto (Colli Bolognesi Pignoletto DOCG), que origina vinhos leves, de expressiva acidez e um surpreendente tanino, finalizado com aromas de flor branca, maçã verde e tons cítricos. A Pignoletto, juntamente com a nativa Albana, encontrada na Romagna (Romagna Albana DOCG), forma as duas únicas DOCGs da região. A Albana também possui um componente tânico surpreendente, enriquecendo a textura e aumentado a complexidade do vinho, além de mostrar aromas herbáceos, cítricos e de frutas verdes. A uva mais plantada na região, a Trebbiano Romagnolo, produz vinhos do dia-a-dia, leves, fáceis de beber, simples e refrescantes.

Trentino-Alto Adige

Trentino-Alto-Adige: vinhos brancos excepcionais, com variedades alemãs, austríacas, francesas
Trentino-Alto Adige: vinhos brancos excepcionais, com variedades alemãs, austríacas, francesas

Trentino-Alto Adige possui um dos cenários mais fantásticos para os turistas que amam esquiar com as Montanhas Dolomitas como pano de fundo. Com influências germânicas por ter ficado sob o domínio do Império Austro-Húngaro, encontramos aqui vinhos brancos excepcionais, com variedades alemãs, austríacas, francesas produzindo vinhos varietais de caráter, anualmente avaliados como os melhores da Itália (Trentino DOC e Alto-Adige DOC). Sauvignon Blanc, Pinot Grigio, Pinot Bianco, Chardonnay, Riesling, Gewurztraminer, Sylvaner, Kerner, Gruner Veltliner dão a origem a tais vinhos, que são elegantes, expressivos e com capacidade de guarda.

Vêneto

Vêneto: Além do conhecido, leve e fácil de beber Pinot Grigio produzido na região aqui é a casa do renomado Soave
 Além do conhecido, leve e fácil de beber Pinot Grigio, produzido na região,  o Vêneto também é casa do renomado Soave

Os eternos apaixonados ou já foram ou ainda irão algum dia com sua/seu amada/amado para a mais romântica das cidades: Veneza. E sob a égide dessa poderosa cidade naval, a vitivinicultura floresceu por toda a região do Vêneto, desde Verona até as planícies que fazem divisa com Friuli Venezia Giulia. Além do conhecido, leve e fácil de beber Pinot Grigio produzido na região, que angariou fãs em todo o mundo com seu estilo, aqui é a casa do renomado Soave (Soave DOC), baseado na nativa Garganega, com seu estilo leve, frutado, mineral e com toques amendoados. A cidade vizinha de Gambellara (Gambellara DOC) também faz vinhos como os de Soave, baseados na mesma casta. Para quem resolver esticar a viagem, rumo a oeste, duas breves paradinhas: Breganze, a norte de Vicenza, (Breganze DOC), onde achamos o vinho único da uva Vespaiola, o Vespaiolo, com sua alta acidez e caráter floral e cítrico; a segunda em Sirmeone, no bucólico Lago Garda. Vale a pena experimentar, com seu amor, um Lugana DOC, apreciando a vista sensacional do local. O vinho,elaborado a partir da casta Turbiana (também conhecida como Trebbiano di Lugana) tem alta acidez, mineralidade, complexidade e notas de pimenta, nozes e maçãs amarelas.

Friuli Venezia Giulia

A Vitovska, encontrada tanto no Friuli como na Eslovênia, produz vinhos de excelente nível, delicados, frescos, com aromas de flores brancas, pêras, amêndoas, mel, tons balsâmicos e uma mineralidade pronunciada
A Vitovska, encontrada tanto no Friuli como na Eslovênia, produz vinhos delicados, frescos, com aromas de flores brancas, amêndoas, mel, tons balsâmicos e mineralidade pronunciada

E voltando ao local que iniciou essa revolução em todos os brancos no país, temos a distinta região de Friuli Venezia Giulia, com um clima perfeito, influenciado tanto pelos ventos frios dos Alpes quanto pelos quentes do Adriático, além de solos perfeitos para o plantio de uvas brancas. A região conta com variedades que só são encontradas aqui, além de uvas que se adaptaram excepcionalmente bem, como a Pinot Grigio (produzido em um estilo alsaciano, rico, poderoso, complexo, encorpado) e Sauvignon Blanc, produzindo vinhos varietais únicos, complexos, vibrantes, sempre aclamados pela crítica especializada, nas apelações de Lison DOCG, Collio DOC, Friuli Colli Orientalli DOC, Rosazzo DOCG, Friuli Isonzo DOC e Carso DOC. Podemos citar dentre as nativas a Friulano, chamada de Tai no Vêneto, que produz vinhos de altíssima qualidade com aromas de flor, grama e maçã verde. A casta Ribolla Gialla, que vem crescendo em popularidade entre os produtores por sua versatilidade, pode dar vinhos leves, refrescantes e sem madeira ou estilos mais complexos, com corpo médio, delicados aromas cítricos, de mel, maçã e flores brancas, além de notas de noz, pimenta e mineral. Para quem quer provar uma versão da família da Malvasia, a local Malvasia Istriana mostra no nariz pimenta, mel e no paladar muita mineralidade e acidez ríspida. Fechando nossa viagem pelo Norte da Itália, que tal provar uma uva achada tanto no Friuli quanto na Eslovênia, que faz divisa com a Itália a leste? Podem e vão se surpreender com a Vitovska, que produz vinhos de excelente nível, delicados, frescos, com aromas de flores brancas, pêras, amêndoas, mel, tons balsâmicos e uma mineralidade pronunciada.

Texto escrito pelo colaborador Mário Lescano – Sommelier Profissional ABS-PR, WSet3, FWS. (Instagram: @mlescanojr)

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Quem Sou

Sou jornalista especialista em vinhos e em comunicação digital. Sou sommelier Fisar e diretora da Associação Brasileira de Sommeliers do DF. Possuo qualificação Nível 3 (Wine Spirit Education Trust) e o Intermediário do ISG. Também tenho certificado em vinhos franceses (FWS) e vinhos californianos (CWAS).

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