Enoturismo – Descobrindo Vinícolas e Vinhos da África do Sul (Parte I)

Quem é apaixonado por vinho como eu, quando tira férias, vai sempre em busca de um destino recheado de vinícolas para serem exploradas. Aqui mesmo no Blog, já postei diversos textos sobre as minhas “enoviagens” (Relembre alguns: Uruguai, Argentina, Chile, Estados Unidos, Brasil). Hoje vou falar sobre vinícolas e vinhos da África do Sul.

África do Sul é um país maravilhoso, com uma natureza privilegiada, mas que também se destaca pela Enogastronomia. Estive lá em abril de 2019, em uma viagem incrível, acompanhada pelo meu marido Guilherme Penchel, responsável por grande parte das belas fotografias que ilustram esse post. 🙂

Muito além da Pinotage

Antes de falar dos vinhos e vinícolas em si, preciso mencionar algumas coisas que que me chamaram muita atenção nessa viagem. Apesar de a África do Sul ser conhecida mundialmente por conta de seus vinhos à base de Pinotage –  nascida do cruzamento da Pinot Noir e da Cinsault – essa uva não é a única que brilha por lá.  A Cabernet Sauvignon e a Shiraz, por exemplo, além de serem mais cultivadas, são responsáveis por vinhos maravilhosos, não apenas como varietais, mas também em cortes. Isso sem falar das brancas Chenin Blanc (que é a mais plantada) e Sauvignon Blanc.

Ótimos rótulos sul-africanos que unem os estilos do Velho e do Novo Mundo
Ótimos rótulos sul-africanos que unem os estilos do Velho e do Novo Mundo

Outra questão interessante é o estilo dos vinhos. Embora, tecnicamente, a África do Sul seja colocada no Novo Mundo, seus vinhos são reminiscentes dos vinhos europeus e muitos deles conseguem combinar a sutileza dos vinhos franceses com a maturação dos vinhos da Califórnia, por exemplo.

Passeio pela famosa região vinícola Coastal Region

Existem seis Regiões Vinícolas na África do Sul (ver mapa abaixo), porém meus passeios se limitaram especialmente à chamada região costeira (Coastal Region), onde são produzidos a maior parte dos vinhos de qualidade do País. Ao todo, visitei 15 vinícolas escolhidas com o apoio da Wines South Africa, entidade que representa os produtores sul-africanos exportadores de vinho.


Nesse post, vou falar sobre as vinícolas que visitei em Constantia e Durbanville – esses locais são considerados “Wards”  pela legislação sul-africana de vinhos. Na verdade, são pequenas zonas delimitadas em razão do seu terroir diferenciado. 

Constantia: onde tudo começou

Vínícola Groot Constantia, localizada em Constantia
Vínícola Groot Constantia, onde fui recebida por Karen Woodcook, diretora de Marketing da empresa.

Constantia é uma Ward ligada diretamente à Coastal Region e é uma das áreas vinícolas mais próximas da cidade de Cape Town (não mais que 40 minutos). É ainda um local muito importante historicamente por ter recebido as primeiras plantações de uvas do país, em 1685, quando ao comandante da Companhia das Índias Orientais e governador do Cabo, o holandês Simon van der Stel, foi conferida uma área de 763 hectares que ele batizou de Constantia em homenagem a sua esposa. Hoje, a área foi desmembrada e é explorada por diferentes empresas familiares .

Eu e Sebastian Pooler, responsável pela área de turismo da Klein Constantia, durante passeio nos vinhedos.
Vinícola Klein Constantia – Eu e Sebastian Pooler durante passeio guiado nos vinhedos.

Essa Ward é a grande responsável por produzir o famoso vinho de sobremesa sul-africano conhecido como Vinho de Constantia. Bebida muito popular nos séculos XVIII e XIX, principalmente na Europa, onde foi apreciada por celebridades como Napoleão Bonaparte, Alexandre Dumas e Baudelaire. Infelizmente, por conta da filoxera, esse vinho teve sua produção interrompida no final do séc. XIX.

Klein Constantia e Groot Constantia

Na década de 90, no entanto, os proprietários da vinícola Klein Constantia, situada em uma parte desse ward, retomaram a produção do vinho e o batizaram  “Vin de Constance”; já em 2003, a Groot Constantia, outra vinícola da região, também começou a produzir o vinho e o batizou como “Grand Constance”. Ambos são feitos a partir da Muscat de Frotignan, nos mesmos moldes do original (com uvas passificadas na própria vinha e sem presença de botrytis)colhida em diferentes momentos de sua maturidade, desde madura a supermadura. Normalmente, são vendidos em garrafas de 500ml e custam, aproximadamente 1200 rands. Algo em torno de R$400,00.

Como visitei ambas vinícolas, em época de final de colheita, pude passear entre os vinhedos recheados de uvas passificadas e concentradas de açúcar. Foi incrível poder experimentá-las diretamente das próprias vinhas e apreciar seu sabor doce, intenso e, ainda assim, ácido.

Eu e a simpática e atenciosa, Karen Woodcook, diretora de Marketing da Groot Constantia para conhecer e degustar as uvas secas para produção do famoso Grand Constance
Eu e Karen Woodcook degustando as uvas do famoso Grand Constance

Claro que também experimentei o vinho pronto. No caso, degustei o “Vin de Constance”, da Klein Constatia, da safra 2015 – a melhor dos últimos anos. O que posso adiantar, para quem ainda não provou esse vinho, é que ele é realmente fantástico. Uma mistura de mel, frutas cítricas, frutas confitadas e caramelo com um balanço perfeito entre acidez e doçura e que, mesmo sem botrytis é, sem dúvidas, um forte concorrente para os venerados Chateau d’Yquem e o Tokaji. O tipo do vinho que deve entrar na lista de qualquer enófilo como meta para ser degustado nessa encarnação (rsrsrsrsrs).

O Grand Constance, elaborado pela Groot Constantia, infelizmente, estava esgotado tanto na vinícola como nas lojas e duty free. No entanto, graças a gentileza da Diretora de Marketing e Turismo do local, a simpática Karen Woodcock, que me recepcionou muito bem na Groot diga-se de passagem, pude experimentar uma gota (uma gotinha mesmo!) do Constantia original, produzido em 1791!!!! Oportunidade concedida a pouquíssimas pessoas. Esse exemplar integra a limitada coleção de safras antigas pertencentes à vinícola. Um vinho de 230 anos, mas ainda vivo, acreditem! porém obviamente com notas evidentes de oxidação.

Vin de Constantia, original de 1791 - Rótulo de couro e letras escritas com tinta e pena.
Vin de Constantia, original de 1791 – Rótulo de couro e letras escritas com tinta e pena.

Durbanville: local perfeito para o amadurecimento das uvas

Outro belo local que conheci foi Durbanville. Uma ward vinculada ao Distrito de Tygeberg em Costal Region e que está localizada a cerca de 50 minutos de Cape Town. O lugar é considerado uma das regiões mais frias da Região e tida como ideal para o amadurecimento lento das uvas – algo muito bom para produção de Sauvignon Blancs.

Diemersdal

Um inventário encontrado em um antigo livro encadernado em couro datado de 1702 lista 45 barris de vinho, um lagar de vinho e garrafas de vidro, indicando que o vinho já havia sido produzido nessa propriedade há mais de três séculos. A partir de 1885, o local passou a ser administrado pela família Louw, que ainda hoje continua à frente da produção vitivinícola da Diemersdal, representada por sua sexta geração.

A Diemersdal é uma ampla e bela fazenda com mais de 340 hectares, sendo 180 de vinhas. Ela tem como pano de fundo uma das mais belas paisagens da África do Sul: a Table Mountain e ainda conserva uma área considerável de Renosterveld (160ha) – um dos tipos de vegetação mais ameaçados do mundo.

Vinhedos da Diemersdal com a Table Mountain ao fundo (uma das mais belas paisagens da África do Sul)
Vinhedos da Diemersdal com a Table Mountain ao fundo (uma das mais belas paisagens da África do Sul)
Eu e Steffi Layer, gerente de markentig da Diemersdal.

Apesar de produzir vinhos de diversas castas, a vinícola se destaca na produção de Sauvignon Blancs de diversos estilos (alguns mais frescos, outros mais amanteigados em razão do estágio em barricas e do tempo de permanência com as borras e etc) Pude degustar quatro deles, além de um espumante.

O meu predileto foi Wild Horseshoe SB 2017 (250 rands) vinho concentrado e complexo com notas de marmelo, flores e toques esfumaçados.

Foi durante o trabalho da equipe enológica de elaboração de vinhos tintos, que, pela primeira vez na vida, participei diretamente de um processo de Remontagem (operação que consiste em tirar o mosto em fermentação pela parte inferior da cuba para lançá-lo na parte superior para obter um mosto homogêneo) – experiência divertida, mas bem cansativa também…rsrsrsrs!!!

A vinícola oferece três tipos de degustação com as diferentes linhas que produz. A mais barata custa 50 rands (R$15) e dá direito a degustação de seis vinhos. A mais cara custa 100 rands (R$30) e consiste na prova de dois dos melhores vinhos da Diemersdal.

Os vinhos podem ser provados tanto na área interna quanto externa. Quem fica do lado de fora também tem direito a usufruir da estrutura do amplo jardim e de admirar a belíssima paisagem 🙂

Signal Gun

A Signal Gun é outra vinícola que visitei em Durbanville. É uma fazenda de 220 ha, dos quais 95 são de vinha. Seus vinhos começaram a ser produzidos recentemente, em 2006, e até hoje a produção se mantém pequena – cerca de 6500 caixas de vinho por ano.

O local conta com amplo jardim, restaurante e uma sala de degustação, onde além dos vinhos podem ser apreciadas também as deliciosas cervejas artesanais produzidas na vinícola.

Lá fiz um passeio bem interessante, chamado “Game Drive“. A aventura foi realizada a bordo de um carrinho de safári, com direito a paradas regadas aos melhores espumantes e vinhos da vinícola rumo ao topo das montanhas onde estão localizados alguns vinhedos.

No percurso, que é um verdadeiro “mini-safári”, eu avistei zebras, avestruzes e antílopes. Dependendo do dia, os visitantes podem se deparar com muitos outros belos integrantes da fauna sul-africana. Bem divertido! Durante todo o passeio, eu e Guilherme fomos acompanhados pelos proprietários da vinícola, Estani de Wit e Liane de Wet, dos seus filhos e da enóloga Mj de Wit. Pessoas sensacionais e super atenciosas! 🙂

No topo da montanha, além dos vinhedos é possível avistar a Table Mountain, a cidade de Stellenbosch bem como os oceanos Índico e Atlântico. Além disso, é possível ver de pertinho um canhão original instalado pelo governo no séc. XIX para defender a Península do Cabo! A arma ainda funciona e é utilizada até hoje para disparar tiros em ocasiões alegres. Por conta dele, a vinícola foi batizada de Signal Gun (ou, em português: Arma de Sinal).

E agora, voltando aos vinhos: Para mim, o destaque da vinícola foi o Gun Smoke Merlot 2015 (180 rands) – frutas vermelhas maduras acompanhadas de baunilha, chocolate e tabaco. Um vinho estilo “Novo Mundo”, bem encorpado e equilibrado, que pude apreciar durante o “Game Drive”.

Ah! E apesar de eu não ser expert em cervejas, amei de paixão a Hoogeberg Climax Cooler, super refrescante, frutada e floral! É bebida com uma pedrinha de gelo, uma fatia de limão e folhinhas de hortelã. Perfeita para o verão. Gostei tanto que até trouxe uma caixinha delas para o Brasil no meio de vários vinhos (rsrsrsrs!!!)

Dica de Hospedagem

Nos primeiros cinco dias na África do Sul, fiquei hospedada em Cape Town, no Hotel President ProTea, localizado em Bantry Bay, um bairro excelente, que fica à beira-mar, e que é perto do Centro e de pontos importantes da cidade, inclusive de boas lojas de vinho. É um bom hotel quatro estrelas, tem uma excelente estrutura,  um diferenciado café da manhã, um bom restaurante e uma carta de vinhos bem variada. Recomendo!

Próximos Posts

Nos próximos posts vou falar de Paarl, sua ward Franschhoek e também de Stellenbosch, a mais renomada região de vinhos da África do Sul. Aguarde!!!

Bela vista da vinícola Asara, localizada em Stellenbosch
Bela vista da vinícola Asara, localizada em Stellenbosch
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Quem Sou

Sou jornalista especialista em vinhos e em comunicação digital. Sou sommelier Fisar e diretora da Associação Brasileira de Sommeliers do DF. Possuo qualificação Nível 3 (Wine Spirit Education Trust) e o Intermediário do ISG. Também tenho certificado em vinhos franceses (FWS) e vinhos californianos (CWAS).

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