Michel Friou nasceu no sul da Bretanha (França), mas tal e qual o vinho que produz já pode ser considerado um “franco-chileno”, afinal já são mais de 24 anos morando no Chile, dos quais quase treze dedicados ao Almaviva, vinho ícone do Maipo, resultado da parceria entre a francesa Baron Philippe de Rothschild e a Chilena Concha y Toro.
Formou-se em Montpellier na França onde atuou por muitos anos em vinícolas de Bordeaux. Chegou ao Chile em 1996 e construiu uma excelente reputação na vinícola chilena Casa La Apostole, produzindo o famoso Clos Apalta. Desde 2007, está a frente da produção do Almaviva.
Apesar de parecer algo antagônico, Friou consegue ser tímido e ao mesmo tempo falante, além disso, também impressiona pela humildade e valorização das coisas simples. Mesmo estando em sincronia com as mais novas tecnologias vitivinícolas existentes, ele não abre mão de afirmar que nada no mundo do vinho é mais poderoso do que o contato diário com a videira. “A experiência da observação é uma das coisas mais importantes quando falamos da produção de um vinho”, revela.
A filosofia de valorizar o terroir também impera em seu discurso, provando que está no caminho certo. Afinal, das dez safras de Almaviva que conduziu até hoje, duas delas mereceram 100 pontos do renomado crítico americano James Suckling: a de 2015 e a recém lançada 2017.
Nesta entrevista concedida exclusivamente ao Blog Vinho Tinto, durante o lançamento da safra 2017 em Brasília (relembre aqui), Friou conta detalhes da produção do Almaviva, além de falar sobre terroir, tecnologia e globalização de vinhos. Confira:
Blog Vinho Tinto – Desde 1997, graças a união da empresa francesa Baron Philippe de Rotschild com a gigante chilena Concha y Toro é possível produzir o vinho Alma Viva todos os anos. Você faz parte dessa história desde 2007. Qual o segredo para conseguir produzir um excelente vinho a cada ano?
Michel Friou – Não sei se existe segredo. Sei que, desde o princípio, foi escolhido um excelente terroir, reconhecido pela qualidade de seu Cabernet Sauvignon, e também que, desde sempre, foi observada uma regra que respeita o conceito da “assemblage”, onde as cepas vão se complementando para tornar ainda mais complexa uma base feita por um corte de Cabernet Sauvignon. Esse é um processo lento e contínuo. Além disso, temos uma equipe, uma vinícola inteira focada em produzir um único produto. Essa é uma estratégia que nunca foi mudada desde o início. Tanto pela Rothschild como pela Concha y Toro, a ideia é aproveitar os erros – algo natural – para aperfeiçoar o Alma Viva ano após ano. Na verdade, todos os anos aprendemos a conhecer um pouco mais o terroir e a aproveitá-lo melhor. Depois, obviamente, há também investimentos em tecnologias modernas. Na verdade, não é somente dizer que temos feito as coisas certas todos os anos. Temos, na verdade, aprendido sempre e tentado fazer o melhor que podemos com o conhecimento adquirido ao longo do tempo, das experiências. Esse é um processo contínuo.
Blog Vinho Tinto – Como nasce um Alma Viva?
Michel Friou – Basicamente temos uma quantidade de hectares que produz Cabernet Sauvignon, temos áreas com vinhas mais antigas e outras com vinhas mais novas. Contamos também com certa superfície de Cabernet Franc, de Carménère, de Petit Verdot, de Merlot em quantidades menores. Tudo isso é colhido e vinificado em aço ou barrica em vários lotes distintos, de diversos anos inclusive. Ao final da vinificação, nos deparamos com uma certa quantidade de lotes de vinho gota e também de vinho de prensa, estes últimos são separados em barricas pequenas de 225 litros. Em seguida, vamos estruturar as misturas. Provamos a mescla de Cabernet Sauvignon novo e velho, em seguida fazemos o mesmo com o Carménère, antes de mesclar as duas cepa. Depois, repetimos o mesmo processo com a Cabernet Franc, a Merlot e a Petit Verdot. Vamos armando nossa base de vinho gota para finalmente pode agregar algo de vinho de prensa, até 8% do volume total. Sempre respeitando o estilo do vinho e, claro, sabendo que a cada ano, em função do clima, serão definidas certas características no vinho que não teremos como mudar.
Blog Vinho Tinto – Para você, qual seria a principal marca de um Alma Viva?
Michel Friou – Acho que os consumidores são capazes de definir isso melhor, mas eu diria que a proximidade com a Cordilheira dos Andes nos permite produzir sempre um vinho repleto de frescor e frutas maduras. Algo muito difícil de se entregar porque na maioria dos vinhos existe a fruta madura, mas falta o frescor ou existe o frescor, mas não tem a fruta madura. Com o terroir que possuímos, somos capazes de conseguir as duas coisas, aliadas ainda a taninos sedosos e finos. Enfim, temos nos esforçado na bodega e no vinhedo para entregar um vinho mais elegante e fino do que somente opulento e concentrado.
Blog Vinho Tinto – Tecnologia e Terroir onde fica Michel Friou nesse contexto?
Michel Friou – Penso que o terroir é algo sempre importante para os grandes vinhos, seja na França, na Itália, no Chile ou em outro lugar. Acho que esta combinação do local, do solo, do clima e do homem é importantíssima para se conseguir grandes vinhos – inclusive para se repetir um estilo a cada ano, uma característica. No entanto, a tecnologia também é importante. Existem grandes centros no Velho e no Novo Mundo que investem em tecnologia para vinhos e que são aplicáveis em diversas vinícolas do mundo. No entanto, penso que a experiência do homem nunca pode ser deixada de lado. Graças a tecnologia temos análises variadas dos terroirs, da maturação das uvas etc, no entanto, o momento mais importante de uma colheita ainda é aquele em que degustamos a uva e tomamos a decisão de colhê-la ou não independente dos dados que temos nas mãos.
Blog Vinho Tinto – O que você pensa da globalização do sabor dos vinhos
Michel Friou – Creio que o que há são tendências de estilos. Há épocas em que a tendência são vinhos mais frescos outras que os vinhos são mais encorpados, mas, globalmente falando, eu vejo muito mais diversidade do que padronização. Cada dia há uma infinidade de novas cepas sendo plantadas em locais antes inimagináveis. Temos, por exemplo, a China produzindo bons vinhos. Existe claro uma tecnologia disponível para todos, mas todos também são livres para usar essas tecnologias como quiserem.
Blog Vinho Tinto – E sobre a mudança do clima, como tem influenciado o seu trabalho?
Michel Friou – A mudança de clima é uma realidade. No Chile, já estamos observando que o nível das chuvas está mais baixo, o clima também está mais quente. A tendência é plantar algumas cepas mais tardias. Vamos seguir fazendo vinho, mas vamos ter de nos adaptar; não há outra forma.
Blog Vinho Tinto – Para encerrar, gostaria que você me dissesse se já experimentou algum vinho brasileiro e o que achou?
Michel Friou – Tive a sorte de visitar Pinto Bandeira, no sul do país, e de provar alguns espumantes brasileiros produzidos por lá. Sem dúvidas, há uma qualidade excelente nesses produtos, principalmente, quando se fala de espumantes Nature, Extra-Brut e Brut. Também tive a possibilidade de provar, ao lado de Marcelo Copello, uma grande quantidade de vinhos brasileiros durante duas Grandes Provas de Vinhos realizadas no Brasil. Experimentei diversos vinhos feitos a partir de Merlot, Chardonnay, Cabernet Sauvignon, Pinot Noir e encontrei muito vinho interessante.
De modo geral, creio que o Brasil seja um excelente local para a produção de vinhos feitos à base de uvas que podem ser colhidas mais cedo, como é o caso das cepas utilizadas para fazer espumantes.