“Vinho bom é aquele que dá prazer; o ruim é aquele que você não aprecia preocupado com sua saúde financeira” é o que ensina nessa entrevista Joaldo Lima, detentor do título de melhor sommelier de Brasília-DF. Com mais de 20 anos de experiência na área, e um vasto currículo de estudos e visitas técnicas, Joaldo diz que não há segredo para tornar-se um profissional de referência, mas afirma que a humildade de saber que sempre é necessário aprender mais tem sido sua grande aliada. Confira, abaixo, as dicas desse profissional para elaborar uma boa carta de vinhos, saiba quais as nacionalidades dos vinhos mais apreciados pelos consumidores nos restaurantes e conheça um pouco da realidade de um sommelier no Brasil nos dias de hoje.
Blog – Você foi eleito o melhor sommelier de Brasília por meio de votação realizada pela revista Encontro Gourmet do Correio Braziliense no final de 2013, com a participação de júri especializado e internautas. Qual o segredo para tornar-se o melhor da sua área? Acho que para ser um bom sommelier é necessário, acima de tudo, ter humildade. Digo humildade de saber que não se sabe tudo. Humildade para sempre buscar o conhecimento. É importante pesquisar, aperfeiçoar-se, estudar sempre uma maneira de encantar os clientes, e aprender com muitos desses clientes também. Na verdade, não há segredo. O ideal é harmonizar-se sempre com o que está a sua volta. Acho que os muitos anos de estudos e os bons relacionamentos que fiz, além do fato de trabalhar no restaurante Dom Francisco – uma casa referência em carta de vinhos, azeites, boa comida e bom serviço – são os grandes responsáveis por eu ser merecedor do título de melhor sommelier de Brasília-DF concedido pela revista Encontro Gourmet.
Blog – Você considera que a profissão de sommelier é reconhecida no Brasil? O que falta para melhorar? No Brasil, a profissão de sommelier ainda não é muito reconhecida e nem possui o devido valor, essa é a realidade. Há muitos clientes que não sabem o que significa ser um sommelier e alguns patrões que não valorizam a profissão. Além disso, infelizmente, a classe não é muito unida. As pessoas desconhecem o que é necessário para ser um bom sommelier, como as incontáveis horas de estudos depois de longas jornadas de trabalho, os altos investimentos com livros e viagens para visitas técnicas e congressos, enfim, tudo o que é necessário para ficar por dentro do mercado e das tendências. De toda forma, no Brasil, o primeiro passo foi dado: a aprovação da lei 12.467, em 2011, que regulamenta profissão de sommelier. Agora, temos de lutar pela conscientização dos setores patronais e de segmentos de vendas que devem investir na capacitação dos seus profissionais sommeliers.
Blog – O mundo dos vinhos é cercado de afirmações. Para você qual o maior mito e qual a maior verdade desse universo enológico? O maior mito, com certeza, é o de que todo vinho se torna melhor com o tempo. Claro que isso não é verdade; a maioria dos vinhos é feita para ser consumida jovem ainda. Inclusive é muito ruim armazenar um vinho e na hora de apreciá-lo constatar que ele morreu ou está perecendo: um prazer frustado e um investimento jogado fora. Agora, a grande verdade é que só se conhece vinho bebendo.
Blog – O que deve conter uma boa carta de vinhos em relação a preço, quantidade, marca e local de procedência? A elaboração de uma carta de vinhos está diretamente relacionada à proposta do restaurante. Portanto, tanto pode ser uma carta premiada, com vinhos caros, como uma carta funcional. Não creio que tenha uma quantidade específica, isso vai depender da quantidade que se quer investir e a importância que o responsável pelo restaurante dá ao vinho. Algumas marcas devem constar por serem tradicionais, por terem auxiliado a desenvolver mercados e por ajudarem a vender. Por outro lado, há muitas marcas novas com bons preços e qualidade e que devem constar na carta também. Com relação à procedência, creio que o vinho deve ter tipicidade, deve carregar o DNA do local onde é feito porque deve estar diretamente relacionado com a cultura do povo que o produz, com sua mesa e seu modo de vida. Claro que esse é o lado ideal e romântico. Há também o lado comercial, que deve sempre ser levado em conta, pois é importante analisar quantas pessoas um determinado vinho vai agradar e a viabilidade ou não do investimento.
Blog – O que te faz indicar determinado vinho a um cliente na hora da refeição? (Risos…) Temos que usar um pouco de psicologia. Mas o fundamental é saber que prato apetece o cliente e depois sugerir a melhor harmonização possível, sempre respeitando seu gosto (se gosta ou não de vinho encorpado, por exemplo) e, sem dúvida, o seu bolso.
Blog – Você é sommelier do restaurante Dom Francisco, da 402 Sul, um local frequentado por autoridades, empresários e políticos da capital e que possui uma das melhores cartas de vinho do Brasil. Com certeza já serviu vinhos caríssimos. Sinceramente, essa não seria a pior parte da profissão: servir e não poder beber? Qual a dica para conviver bem com essa realidade? No Brasil as pessoas acham estranho o sommelier fazer o serviço de vinho e degustar a bebida antes de servi-la ao cliente. Pela regra de serviço, o vinho deve sempre ser degustado antes pelo sommelier para que o cliente comprove que o vinho goza de perfeita saúde, que não aparenta defeitos visuais ou olfativos e nem sabores estranhos, mas esse ritual não é respeitado no Brasil. De toda forma, há alguns clientes que são generosos e fazem questão de brindar com o sommelier. Sem dúvida, não há frustração nenhuma nesse sentido.
Blog – Segundo sua experiência, qual a preferência da nacionalidade dos vinhos dos consumidores que frequentam restaurantes? Acredita que há preconceito do brasileiro em relação ao vinho nacional? O que você acha disso? Hoje a preferência maior ainda é por vinhos chilenos ou argentinos, que são fáceis de agradar o paladar com a doçura dos taninos, muitas frutas maduras e preços competitivos. Depois, vem os vinhos de Portugal, Espanha, Itália e França. Os vinhos brasileiros, infelizmente, sofrem preconceito, pois muitos consumidores dão valor ao status de beberem um produto vindo de outro país, mesmo que sejam sem muita qualidade. Há uma outra questão também que inibe a venda dos vinhos nacionais – normalmente, os grandes vinhos brasileiros são muito caros e o consumidor acaba optando por um produto importado e mais em conta.
Blog – Um vinho para ser considerado bom deve ser caro? É possível encontrar bons vinhos a partir de qual faixa de preço? No mundo do vinho, o preço está diretamente ligado à qualidade, mas isso não quer dizer que seja impossível encontrar um vinho honesto (bom e barato) por R$30 em uma importadora, distribuidora ou em supermercados. No caso de restaurantes, é possível, sim, tomar um vinho honesto na faixa de R$70 e um bom vinho por R$120.
Blog – Você integra a diretoria da Associação Brasileira de Sommeliers em Brasília(DF). Qual o papel dessas associações na divulgação do vinho. O que tem sido feito pela ABS-Brasília nesse sentido? O papel da ABS é formar da melhor maneira possível o profissional sommelier, atendendo às exigências do mercado, criando ações educativas para orientar o consumidor comum e os enófilos. A ABS Brasília tem criado algumas ações interessantes. Em 2013, por exemplo, tivemos na cidade a primeira prova de homologação de sommelier fora do eixo Rio-São Paulo – essa prova tem o mesmo nível de dificuldade do campeonato Nacional de Sommelier, para se ter uma ideia de dez candidatos apenas dois foram aprovados. Este ano, iremos fazer mais uma homologação em março. Estamos estudando a realização de um campeonato regional no segundo semestre. Também registro que em 2013, formou-se a primeira turma do curso profissional de sommelier, decorrente de um convênio entre ABS-Brasília, presidida pelo Sr.Antonio Duarte e a Faculdade Upis. Agora, estamos buscando parcerias com instituições voltadas para divulgação, preservação da imagem do vinho e qualificação do profissional. A ideia é qualificar ainda mais os profissionais da área e, consequentemente, promover uma boa cultura do comer e beber com prazer.
Blog – Para encerrar, em sua opinião, o que é um bom vinho? E um vinho ruim é o quê? Vinho bom é aquele que dá prazer. O ruim é aquele que você não aprecia preocupado com sua saúde financeira. Sem dúvida, há vinhos para todas as ocasiões e gostos.