Sommelier e sócio-proprietário da Art Du Vin, distribuidora de vinhos que atende mais de 300 estabelecimentos da área enogastronômica de Brasília, Marcos Rachelle é um enófilo apaixonado que estreitou o contato com o vinho ainda quando era garçom e usava seu tempo livre para apreciar e organizar os rótulos da adega do restaurante onde trabalhava. Hoje, com formação pela Associação Brasileira de Sommeliers (ABS) e pela Wine and Spirits Education Trust (Wset), seu nome tornou-se referência no mercado de vinhos da Capital da República e o empresário divide seu tempo gerenciando a Art du Vin, treinando equipes, ministrando cursos de vinhos e prestando consultoria na elaboração de Cartas de conceituados restaurantes da cidade. Nessa entrevista, Marquinhos, como é conhecido pelos amigos, fala sobre o real cenário do comércio de vinhos no Brasil, afirma que a cultura de se tomar vinho ainda está restrita às grandes metrópoles e revela como monta o portfólio da sua empresa, que no próximo mês completa cinco anos de existência e de muito sucesso no mercado.
BVT – Como anda a situação do mercado de vinhos no Brasil ? É verdade que existe crise na área?
MARCOS RACHELLE – Infelizmente existe a crise. Só este ano no Brasil foram fechadas 20 importadoras. É claro que existe uma força, principalmente dos importadores, para que não transpareça que o mercado está ruim – pois o que está ruim tende a ficar pior – mas, infelizmente, existe uma crise em diversos segmentos do país e na área do vinho não está sendo diferente. Trabalhar com vinho no Brasil é algo difícil, pois o país não é do tamanho da França ou da Itália, somos quase um continente. A questão de logística aqui dentro é algo muito complicado. Além disso, também faltam pessoas capacitadas para trabalharem na área, inclusive, como consultores de grandes empresas.
BVT – Ainda se bebe muito pouco vinho no Brasil, cerca de 2 litros per capita. Por que tão pouco é feito para mudar essa realidade?
MARCOS RACHELLE – A cultura do vinho ainda está restrita às grandes capitais. Você vai a cidades pequenas e percebe que por ali não se fala em vinho, o que se ouve é “cerveja” e “cachaça” até porque no interior a renda per capita é mais baixa. É necessário, assim, uma mudança de cultura, mas não adianta esperar apoio do governo, que nunca vai investir nisso pelo fato de o vinho ser uma bebida alcoólica. No meu ponto de vista, é preciso que os importadores se unam para fazer algo. Mas, infelizmente, no Brasil, cada um tem mania de querer fazer sua parte e esquecer do resto. Ninguém quer unir esforços para lutar por uma causa em comum. Na prática, se continuar assim vai ser difícil mudar essa realidade.
BVT – Quais os três países mais interessantes para se negociar vinho com o Brasil? Por quê?
MARCOS RACHELLE – Argentina e Chile, por conta da proximidade, de acordos comerciais existentes e pelo fato de os brasileiros gostarem dos vinhos produzidos nesses países. Também Portugal, por ser a nossa “Terra Mãe”, por manter uma boa relação com os brasileiros e, principalmente, pela facilidade da língua.
BVT – O Brasil é o maior importador de vinhos chilenos do mundo. De todo o vinho que entra aqui, 43% é proveniente do Chile. Como você explica isso?
MARCOS RACHELLE – Na verdade, o paladar do brasileiro está voltado para o vinho chileno e para o argentino. Estes vinhos na boca são mais macios que o vinho europeu, por exemplo. O álcool que possuem dá aquela falsa sensação de doçura. Também existe aquela história: quando os “enófilos iniciados” propagam que gostam do vinho “Alma Viva”, por exemplo, os iniciantes começam a ir atrás na mesma toada. É algo cultural e isso vai se repetindo. No entanto, depois de 8 a 10 anos tomando vinho, 85% das pessoas começam a migrar para os vinhos da Europa.
BVT – Diversos são os vinhos chilenos e argentinos disponíveis no mercado hoje. Como saber se são vinhos bons ou ruins na hora da compra?
MARCOS RACHELLE – Eu aconselharia a não comprar vinho abaixo de R$25 em supermercados. Encontrar vinhos bons ou medianos abaixo de R$25 é algo muito raro.
BVT – Por que vinhos provenientes do México, por exemplo, que é um país em ascensão na área do vinho, não chegam ao Brasil?
MARCOS RACHELLE – A produção de vinhos mexicanos ainda é muito pequena, quase inexpressiva, mesmo estando em ascensão. Nesse contexto, se você é produtora no México, importaria para o Brasil ou para os Estados Unidos? Os EUA são hoje, depois da China, um dos maiores mercados de vinhos do mundo. Então, como eles estão bem próximos do México é muito melhor importar para lá do que para o Brasil. Para que se preocupar, se você pode resolver tudo ali com seu vizinho? Não há porque exportar para outro lugar.
BVT – E no caso da Europa, que país poderíamos apontar como “em ascensão” na área?
MARCOS RACHELLE – Sem dúvida, a Áustria. No entanto, os vinhos austríacos aqui no Brasil, além de raros, são caríssimos e acabam não tendo muita saída, o que desestimula o mercado. É algo automático.Você começa a ver seu vizinho que importou ou comprou vinho austríaco e morreu com aquilo na mão, então, decide que não vai ter coragem para fazer o mesmo.
BVT – Como funciona a parceria entre importadora e distribuidora de vinhos?
MARCOS RACHELLE – Tendo em vista as dimensões do Brasil, o importador não consegue montar o centro de distribuição dele em cada estado e procura parceiros regionais para realizarem a distribuição dos seus vinhos, que podem ou não fazer isso de maneira exclusiva. A Art du Vin, por exemplo, possui hoje 1200 rótulos e apenas 10% do seu portfólio não é exclusivo e, por isso, nós podemos trabalhar com o mesmo preço de venda do importador, determinado por meio de um acordo comercial.
BVT – Como é montado o portfólio da Art Du Vin?
MARCOS RACHELLE – Primeira coisa que analiso é se existe e onde está a ruptura do meu portfólio. Se hoje, por exemplo, falta um vinho libanês, então eu vou atrás desse vinho. E mesmo que esse vinho não venda muito, penso que o mais importante é ter uma carta completa para atender bem o cliente. De modo geral, também levo em consideração qualidade, variedade das uvas, países e regiões e, claro, faixa de preço. Ter um leque bem variado é algo muito importante. Hoje a Art du Vin oferece 1200 rótulos de 16 países e trabalha com oito importadoras diferentes. Também trabalhamos com vinhos nacionais de sete vinícolas localizadas tanto no Sul como Nordeste do país.
BVT – Vocês distribuem vinhos para cerca de 300 clientes de Brasília (entre hotéis, restaurantes, bares), basicamente onde estão concentrados esses clientes?
Basicamente, fornecemos para hotéis, restaurantes e bares das áreas mais nobres e centrais de Brasília (Asa Norte, Asa Sul, Lago Norte, Lago Sul, Águas Claras etc). Temos apenas três clientes no Gama, um em Sobradinho, um no Paranoá e um em Taguatinga. Infelizmente, nessas regiões não existe demanda para o consumo de vinho. Como já falei anteriormente, no interior e em áreas de renda per capita mais baixa, o vinho ainda é pouco consumido.
BVT – E a loja Art Du Vin como funciona?
MARCOS RACHELLE – Enquanto a distribuidora só pode atender pessoas jurídicas de restaurantes, bares e buffet, enfim, clientes da área gastronômica com vendas no atacado, a loja existe como um showroom, para atender as pessoas físicas e vender os vinhos no varejo. Hoje a Art Du Vin funciona no bloco D da QI03 do Lago Sul e atende clientes de diversos bairros de Brasília. Estamos reformulando nossa página na internet e, em breve, vamos poder vender também para clientes de todo o Brasil.