Acabei de voltar de Cuba e ainda estou processando as complexas impressões que o país deixou em mim. Prometo publicar em breve um post específico com dicas de turismo, mas hoje quero compartilhar de modo geral a experiência fascinante, e às vezes intrigante, que vivi por lá. A ilha, com sua história rica, charutos exclusivos, praias deslumbrantes e um charme único, também carrega antagonismos marcantes. É impossível não se apaixonar pela atmosfera cubana, mas também é impossível ignorar a complexidade da vida cotidiana local marcada por vários contrastes, entre eles o da convivência entre luxo e privação e o da modernidade e antiguidade.
A realidade cubana vai muito além das belas imagens de carros clássicos circulando por Havana. Por trás desse cartão-postal, existe um mercado paralelo que sustenta grande parte da população. Alimentos, remédios e principalmente charutos são amplamente comercializados fora do controle estatal. Essa economia informal é para muitos cubanos a principal forma de sobrevivência, criando um contraste direto com a aparência de igualdade e ordem pregada pelo sistema. A realidade das ruas conta outra história. O mercado paralelo se tornou uma resposta às carências impostas pela economia estatal, permitindo que os cubanos tenham acesso a bens essenciais que, muitas vezes, são escassos ou acessíveis apenas para turistas.
Os charutos, motivo principal da minha visita a Cuba, levaram-me a uma reflexão sobre a complexidade do mercado local. É curioso como muitos vendedores de rua fazem questão de afirmar que os charutos que oferecem são furtados diretamente das fábricas onde trabalham, utilizando esse argumento para garantir a procedência e a qualidade do produto. No entanto, esta narrativa coexiste com um vasto mercado de falsificações, no qual charutos da renomada marca Cohiba, por exemplo, são vendidos por apenas 7 dólares, frequentemente produzidos com tabaco de origem duvidosa. Por outro lado, os Habanos autênticos, disponíveis exclusivamente nas lojas credenciadas da La Casa del Habano, são verdadeiros artigos de luxo, com preços que começam em 28 dólares para os Cohibas. Essa disparidade revela as contradições da economia cubana, onde o mercado informal é uma alternativa para a subsistência de grande parte da população, enquanto o governo mantém um mercado oficial inacessível para a maioria dos cubanos.
A moeda local também reflete as contradições do sistema. O câmbio oficial fixa o dólar a 120 pesos, mas no mercado informal chega a 300 pesos. Enquanto isso, promessas simbólicas, como os 7 dólares mensais para professores e 30 dólares para médicos pagos pelo estado, tornam a sobrevivência um verdadeiro exercício de criatividade. Histórias como a de um médico cubano que depende do auxílio financeiro do irmão faxineiro em Miami são comuns e ilustram a importância das gorjetas para os cubanos, conhecidas localmente como “propinas”
As dificuldades da vida quotidiana são ainda mais evidentes em situações como a falta de energia elétrica, que tem afetado severamente a população. Durante a viagem, meu guia relatou ter ficado quatro dias sem luz em Havana, perdendo todos os alimentos que armazenava. Filas intermináveis para abastecimento de combustível ou para sacar salários nos caixas eletrônicos também fazem parte do cenário urbano. Esses detalhes revelam a precariedade do sistema e o impacto profundo que ele tem na vida dos cubanos, que muitas vezes precisam guardar dinheiro debaixo do colchão por desconfiança no sistema bancário.
Apesar de tudo, o setor de turismo é privilegiado e conta com hotéis modernos geridos por redes internacionais, em parceria com o governo cubano. Ainda assim, a infraestrutura enfrenta desafios. Hospedei-me em um hotel cinco estrelas em Havana que sofreu com falta de água, e nos resorts de Varadero, mesmo no sistema all inclusive, a comida é simples, refletindo as limitações do país. Ao mesmo tempo, nos mercados urbanos, produtos importados, como M&M’s, convivem com as desvantagens de itens básicos, simbolizando as desigualdades presentes na ilha.
Cuba é, sem dúvida, uma terra de contrastes. Sua beleza natural, praias de tirar o fôlego, ruas repletas de história e uma riqueza cultural inigualável cativam qualquer visitante. Ao mesmo tempo, as dificuldades enfrentadas por sua população são um lembrete dos desafios pelo sistema local e pelo embargo americano. O embargo, vigente há décadas, não é apenas uma barreira econômica; é também uma questão política e ideológica que impacta profundamente a vida dos cubanos. Até que ponto esse isolamento reflete na forma como o povo vive e se organiza? Seria o sistema cubano diferente sem essa pressão externa?
Apesar das adversidades, Cuba alcançou conquistas notáveis em educação, saúde e pesquisa. O país eliminou o analfabetismo, formando médicos altamente capacitados que atuam em condições adversas e desenvolveram várias vacinas importantes, mesmo com recursos limitados. Esses resultados refletem a resistência de um povo que buscou alternativas ao capitalismo como modelo econômico e social. Mas, me pergunto, será que sem o embargo, o sistema teria evoluído de forma diferente? E será que a criação de um modelo híbrido, entre capitalismo e comunismo, não seria melhor para promover maior igualdade e solidariedade global?
É… não há como voltar de Cuba sem fazer tais reflexões… e por isso mesmo que a ilha é um destino que encanta, desafia e transforma quem a visita, mostrando que, mesmo em meio às contradições, a força humana ainda é a maior riqueza de qualquer nação.
Prepare-se para descobrir mais detalhes dessa experiência única no meu próximo post que irá apresentar dicas de turismo para os brasileiros que visitarem Cuba.